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sábado, 15 de outubro de 2011

Patentes patéticas (nº 29)

Não existe coisa mais fofa e amável do que pais que leem para as crianças. É uma demonstração de carinho que pode ser inesquecível e cria um vínculo muito forte entre pais e filhos. Diria mesmo que isso é o equivalente cultural da amamentação.

Mas há pais por aí tão preocupados com a psicologia infantil que acham que devem manter contato visual com seus pimpolhos o tempo todo. Afinal, vai que os pequenos fiquem traumatizados e resolvem te matar pela herança um dia? Patrick T. Marshall, de Tipp City, Ohio, deve ser um desses pais superprotetores. Ele é o inventor de um “Método e aparelho para observação em via dupla durante a leitura” descrito da seguinte forma:
Um dispositivo especular anexável a um livro que permite ao leitor de um documento textual ver a expressões faciais do jovem adulto, criança, infante ou bebê que está ouvindo em íntima proximidade com o leitor. O ouvinte também pode ver os movimentos mecânicos (sic) dos lábios do leitor, acelerando o processo de aprendizado da leitura.

Além de um pequeno “material reflexivo” (a.k.a. espelho) que pode ser preso nas capas de “livros ou qualquer outro documento adequado”, o invento de Mr. Marshall pode contar opcionalmente com “uma luz ajustável que pode ser pivotalmente instalada no espelho do livro”. Mr. Marshall entrou com o pedido da patente em 3 de fevereiro de 2003. Praticamente dois anos mais tarde, em 8 de fevereiro de 2005, o Escritório de Patentes dos Estados Unidos, reconheceu seu invento e emitiu a patente de nº. 6.851.825. Ainda segundo a patente:
Muitos pais que leem para seus filhos antes de dormir não percebem todas as incríveis e maravilhosas expressões que suas crianças criam enquanto se lê para elas. Esse problema é resolvido quando a criança senta-se no colo do pai e com um livro e a invenção do espelho para livros presa à capa do livro. Então o pai ou o filho pode ajustar a posição do invento e do livro até que ambos possam ver a reflexão um do outro enquanto usam o espelho. O leitor agora está pronto a ler as páginas do livro enquanto olha periodicamente para o ouvinte. Similarmente, enquanto o leitor articula as palavras das páginas do livro ou revista, o ouvinte pode usar o espelho para correlacionar os movimentos labiais do leitor com o áudio das palavras que estão sendo faladas.

Note-se onde essa patente — aparentemente bem-intencionada — se torna patética: tanto a criança quanto o adulto só vão usar o espelho para se olhar “periodicamente”. Ora, quando se lê para alguém, qualquer um faz isso diretamente, sem precisar de espelhos. Só isso já torna inútil a criação de Mr. Marshall. E embora o aprendizado através da leitura labial possa ser importante em muitos casos, isso não se faz (pelo menos até onde eu sei) com o uso de espelhos.

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