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domingo, 15 de maio de 2011

Sex and the Vatican

Denúncia de pedofilia: você está fazendo isso errado


O papa pode não ser mais italiano há um bom tempo, mas mesmo assim, parece que o Vaticano acha que suas fronteiras vão além dos muros que o separam de Roma. Em meio aos escândalos político-sexuais de seu primeiro-ministro fanfarrão, a Itália está calada. Vergonhosamente, também está calada com o lançamento do livro Sex and the Vatican, do jornalista Carmelo Abbate. Não que se esperassem louvores à obra que devassa a vida dupla que padres, freiras, monges e bispos italianos levam. Surpreendentemente, também não houve críticas generalizadas. Nem um escândalo sequer.


Entre outras coisas, o livro apresenta a vida de mulheres que, mesmo na clandestinidade, se casaram com padres e ou tiveram filhos ou fizeram aquilo que a igreja mais condena — aborto. Freiras denunciam estupros que sofreram nas mãos de padres. A conclusão, porém, não é surpreendente: tais comportamentos só ocorrem por que a Igreja impõe a castidade e o celibato, fardos pesados demais na vida de quem deseja ser clérigo.

Na França — onde boa parte da população é católica —, o livro tornou-se um best-seller instantâneo. A primeira edição se esgotou em uma semana. Sex and the Vatican foi o 12º. livro de não-ficção mais vendido pela Amazon francesa. Carmelo Abbate tem aparecido em diversos programas de entrevistas na TV francesa. Diversos artigos e resenhas têm sido escritos em diversos diários franceses nas últimas semana. Há até mesmo um documentário para a televisão sendo preparado sobre o tema.

Mas se você atravessar os Alpes e entrar na primeira banca que encontrar na Itália, não vai ver nada sobre Abbate ou sobre seu livro. Também não vai adiantar muito zapear pela TV italiana. Exceto por uma pequena nota publicada pela Ansa, a agência de notícias italiana, tudo o que saiu sobre o livro na Itália se resume a uma breve resenha em um pequeno jornal econômico de Milão, Finanza e Mercati, e uma matéria na revista Panorama, onde o próprio Carmelo Abbate trabalha. 

Falar sobre as relações entre sexo e Vaticano continua sendo um enorme tabu na bota mediterrânea. É como se o livro — e tudo o que ele revela — tivesse sido escondido debaixo do tapete, ou melhor, da batina. Há alguns que consideram Abbate apenas como um jornalista sensacionalista. Mas nem mesmo os deméritos do livro estão sendo discutidos aberta e extensivamente na mídia italiana.

Um dos motivos para isso está fuora i muri do pequeno Estado teocrático governado por Bento XVI. Além de ser o primeiro-fanfarrão do país, Silvio Berlusconi é dono de um império midiático: o Canale 5, o Italia 1 e a Rete 4. Esses são três dos cinco grandes canais de TV aberta na Itália. A RAI, maior emissora de TV do país, é pública e tem diversos canais — mas tal como no Brasil, a TV pública na Itália nunca foi muito autônoma. Não é surpresa, portanto, saber que a TV italiana calou sobre um assunto tão polêmico. O capo de tutti capi já tá bastante ferrado publicamente. Se suas empresas pudessem criticar o Vaticano, ele cairia feito um anjinho de asas quebradas.

B-16 e Berlusconi têm muita coisa em comum: são chefes de Estado e líderes de gangues sexuais.

A mídia impressa também parece impor uma autocensura muito forte quando o assunto é sexo na Igreja. Aparentemente, os jornalistas italianos consideram mais importante o respeito a uma instituição decadente do que a revelação da verdade, seja ela qual for. Aliás, esse tipo de pseudojornalismo é o sonho do lulo-petismo (que mostrou-se muito católico ao condenar o aborto na última campanha eleitoral).

Entretanto, o que pode estar acontecendo na Itália é uma intervenção direta do clero para impor a lei do silêncio no país. Não é a primeira vez que isso ocorre. Em 2006, líderes católicos tentaram censurar a versão cinematográfica d'O Código da Vinci antes mesmo da estreia nos cinemas — não apenas na Itália, mas em diversos países. Onde não conseguiram, promoveu-se uma discreta porém verdadeira queima de livros de Dan Brown. Agora a estratégia é um pouco diferente: ignorar, orgullhosamente ignorar. Diferente, mas não muito. Essa tem sido a mesma estratégia católica diante das denúncias de abusos sexuais cometidos por padres e monges contra crianças e adolescentes. Em vez de enfrentar e reconhecer o problema, o Vaticano tem procurado abafar os casos, como se eles não existissem, como se eles fossem historinhas inventadas por criancinhas malvadas. 

Padres pedófilos não são punidos, denunciados nem mesmo excomungados: são transferidos para outra diocese e fica-se nisso até que cometam novos abusos e sejam transferidos ad nauseam. Em vez de jogar fora os frutos estragados, o clero prefere desacreditar os acusadores e proteger a reputação da fazenda onde esses frutos são produzidos. Nem que para isso seja necessário por em risco o Estado de Direito dando um verdadeiro golpe branco em um país soberano e independente do Vaticano. Ou que pelo menos deveria ser.

Um comentário:

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