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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Pérolas Fundamentalistas III: a Ascenção

porco

E depois de quase dois anos, essa série volta para nos assombrar com exemplos do que a fé é capaz de gerar. Para começo de conversa, uma torrente de ignorância na polêmica sobre a presença de gays no Exército:

Homossexualidade é só sexo e luxúria... só o fato de que eles são tão promíscuos prova que NUNCA há devoção e amor por outra pessoa. Esse é o porquê tal ato é tão desagradável (fora as doenças e os danos)... não há honra ou caráter para pessoas que se engajam em tais atos e o acham “bom”. Sempre acaba em pederastia rampante, como no Afeganistão, os Gregos e os antigos Japoneses.
Nossos militares estarão num vácuo de honra e caráter em nada diferente dos Gregos e Romanos pagãos... dos Russos ateus que fizeram Patton vomitar e das tropas Nazistas homossexuais adoradoras de Odin... É tão repugnante como eles escondem os fatos verdadeiros sobre os efeitos da promoção desses atos malignos, feios contra a moralidade sempre que eles ocorrem, como na República de Weimar. A Bíblia descreve Sodoma e Gomorra e aquilo não era pior que a República de Weimar. Era notório que o Vício Nacional da Alemanha nos anos 20 era a homossexualidade crescente. Todos os oficiais de outros países eram alertados para guardar suas costas quando tinham que interagir com os alemães.
Precisamos retornar ao paradigma Cristão sob o qual ficamos por duzentos anos. Ele está alinhado com a Lei Natural e é perfeito para um povo livre e justo. [...] Se não fosse pelo Cristianismo, a Civ. Ocidental teria morrido. Nenhuma das sociedades pagãs, ateístas, islâmicas, etc, jamais poderia criar o país livre-para-todo que nós temos. Isso é impossível. — savagesusie em Free Republic
Também parece ser impossível o surgimento de democracias no caso de nações cristãs, minha jovem. Especialmente naquelas onde a separação Estado/Igreja não é muito clara. Vamos ignorar toda a besteira historiográfica — afinal ela não deve ter entendido muito bem as aulas de História —, e ir direto ao ponto: se você diz que seu país é “livre-para-todos”, qual o problema de ser livre também para os homossexuais? E se um país é de “todos”, é mais do que justo que todos tenham o direito de defendê-lo, se quiserem.

Agora vamos para uma discussão fundamentalista sobre a pena para o estupro:
“‘Olho por olho e dente por dente?’ Não é olho por dedo ou dente por unha. Eu acho que é castração, talvez.”
Ele não extraiu o útero dela.
Ele fez sexo com ela.
A punição dele poderia ser ela fazer sexo com ele.
— anônimo, em The World according to Bob
Depende, meu caro. Esse sexo retributivo seria pela frente ou por trás? Ou será que isso também dependeria do estupro? Enfim, temos mais um estuprador em potencial (isso explica o anonimato). Mas não se preocupem, ele é um bom cristão.

Falando em almas bondosas, uma pergunta: Índios também são filhos de deus? Não para esse cara, que mais parece uma reencarnação de Torquemada:
TODOS os injuns [forma depreciativa de se referir aos índios] devem reconhecer os crimes dos índios do passado e reconhecer que NADA acontece na terra exceto com a APROVAÇÃO de Deus. Também precisam entender POR QUE Deus pensou que os Injun, como povo, teriam suas terras tomadas e suas tribos DESTRUÍDAS.
“Sabe com certeza que a tua descendência será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos; […] Na quarta geração, porém, voltarão para cá; porque a medida da iniqüidade dos amorreus não está ainda cheia.” [Gênesis, 15: 13,16, grifo original]
Tal como os Amorreus, Deus viu a degradação dos Injun e removeu-os e deu a Terra a uma nação que ELE escolheu.
— specter, em Minutemen Message Board
Crimes? Que crimes, cara pálida? Tu tá confundindo as tribos cananéias com os nativos da América, rapá!

Além disso, eu sempre pensei que deus tinha escolhido um pedacinho minúsculo de terra desértica fincado no Oriente Médio como terra prometida (e o povo ainda achou isso muito promissor...). Mas parece que, após alguns cansativos séculos de caça às bruxas na Europa, nada melhor que a “América” para acomodar o Divino Ego.

Falando em terra prometida, verifique se ela está bem firme em seu pedestal no centro do Universo:
A Terra não era apenas o primeiro planeta em existência, foi o primeiro objeto do universo que teve massa.
A terra (sic) veio primeiro, depois o universo foi criado à volta dela.
— AV1611VET, em Christian Forums
Claro, claro. Afinal se o universo não fosse geocêntrico, como Jesus faria para salvar todas as formas de vida fora da Terra? Ele teria que morrer em cada planeta habitado. Coitadinho, ele não tem poder (nem sangue) suficiente para isso...

Dizem que Jesus veio para redimir os pecados de Adão. Um desses pecados pode muito bem ter sido o incesto, não é mesmo?
[Resposta à alguém que apontou o incesto implícito nos relatos criacionistas dos primórdios da Humanidade]
Parece que você quer transformar esse “incesto” em algo ruim. Você pensa que o fato de ser incesto deveria ser destacado no artigo. Eu nunca discordei com a menção dessa ocorrência, mas discordo colocá-lo de forma a sugerir que havia algo de errado nisso. Mesmo o uso da palavra “incesto”, embora tecnicamente correto, é problemático por causa da conotação do termo.
— Philip J. Rayment, na Conservapedia
Uma objeção educada, é verdade, mas que ainda não responde a uma dúvida fundamental:
logic-test-1
Ou será que há um milagre apócrifo em Gênesis, alguma gravidez homossexual entre irmãos, algo totalmente aceitável e natural?

Para quem não sabe, Rush Limbaugh é um radialista linha-dura, um ícone da direita americana. Mas graças a ele, nossa próxima pérola  vem não de um fórum religioso, mas de um site sobre Rock (\m/):
Um radialista de direita disse a uma audiência de milhões que os trágicos eventos no Arizona no fim de semana, ondo seis pessoas foram mortas e 14 feridas durante a tentativa de assassinato da congressista Gabrielle Giffords, não têm nada a ver com armas e tudo a ver com metal music.
A banda texana Drowning Pool foi forçada a defender sua música Bodies após ser revelado que o suspeito do crime, Jared Loughner, gostava dela. Eles ressaltaram que a faixa era sobre “a irmandade do mosh” e o assunto era “respeito, não violência”.
Mas [Rush] Limbaugh afirma que a posição pró-armas da direita não teve nenhuma influência no ataque, enquanto a música teve.
Ele diz: “O cara ouvia heavy metal, e alguma daquelas coisas anarquistas. Nós estamos lidando com um indivíduo insano. São os liberais, não nós conservadores, que glorificam o comportamento criminoso e a apologia da violência. Eles chamam isso de arte.”
Aparentemente, Limbaugh jamais (a) entendeu arte como uma “válvula de escape” e (b) leu o Velho Testamento. Ou, embora seja radialista, ele ainda não conhece as bandas de metal cristãs. Sim, isso ecsiste!

Por fim, antes que me digam que eu não prestigio a produção nacional, seguem algumas amostras de fundamentalismo made in Brazil:

Para começar, a polêmica (e confusa) relação do Papa com a camisinha, ou melhor, sobre o uso da camisinha (grifos nossos):
Usar a camisinha é uma forma errada de salvaguardar a própria integridade; mas a intenção de se proteger, a consciência de que existem riscos associados ao uso desenfreado do sexo, é o que existe de positivo (embora, repita-se, os meios empregados estejam equivocados) no exemplo dado pelo Papa.
— Jorge Ferraz, em Deus lo volut
Estranho, não é mesmo. Embora a intenção de se proteger de DSTs seja “o que existe de positivo”, usar camisinha ainda é “uma forma errada de salvaguardar a própria integridade”. Então, camisinha tá certo ou errado para os católicos? Sexo seguro, comofas??/ Com criancinhas??

A confusão com a camisinha já é velha dentro da ICAR. Mas eu ainda não conhecia a birra com jogos eletrônicos de sucesso, como o Assassin’s Creed:
o jogo é como um imã [sic] para o erro no que diz respeito a tragar as almas para o antropocentrísmo [sic] mais escandaloso de tal sorte que por isso mesmo a pessoa seja arrastada ao mais crú [sic, esse cara não tem corretor ortográfico??] materialismo ou em uma hipótese menos drástica a um agnosticísmo [sic, pqp!] hedonista.
— de um post anônimo no Index Bonorvm
O texto todo é uma pérola, por que em nenhum momento o jogo é criticado tecnicamente. O que se critica é a suposta intenção do jogo: criar assassinos. A crítica inicia-se pelas origens históricas do termo assassino (de etimologia árabe, o que causa desconfiança no tal anônimo), fala da “seita dos ‘Assassinos’” e explica algo da trama do jogo, que envolve as cruzadas do ponto de vista árabe, isto é, herético e não-cristão. Mas o importante é o final, onde se apresenta total indignação apenas por que o jogo tem a ousadia de mostrar a sagrada ICAR como a vilã que realmente foi.

Mas não são apenas os católicos brasileiros que andam soltando pérolas na internets antes de passar os textos pelos corretores ortográficos:
Nos países não-cristãos se ploriferam as crenças mais ridículas e absurdas. Uma das mais difundidas hoje é o budismo, que conta com algumas variações, o Zen-Budismo, o Brahmanismo e o Hinduísmo.
O budismo é um candomblé oriental [sic], o sincretismo é bem semelhante: fazem danças venerando os deuses, encorporam entidades, fazem trabalhos de amarração e evocam espíritos.
[…] Assim como o [sic] umbanda, veneram vários deuses antropozoomorficos [sic, de novo! muda-se a fé, mas a ingorância é idêntica], ou seja, que possuem forma de homens e animais. Este tipo de adoração descende da era da pedra lascada, quando a raça humana ainda não tinha sido iluminada por mensageiros de Deus judeus, como Moisés, Jesus e o profeta Ezequiel.
— pastor Silas Adoniran Fonseca, no Igreja Internacional
Parece que o pastor Silas não é assim tão internacional. Ele parece incapaz de diferenciar budismo de hinduísmo. Na prática, ele fala de budismo, mas acerta no hinduísmo. É um Galvão Bueno da teologia. Mas em compensação, ele tem um perfil que por si só já é uma pérola: “Palestrante, cantor gospel, instrumentista, ex-álcoolatra, ex-assaltante e curado de um câncer no fígado. Sou assembleiano por convicção, apesar de já ter ministrado cultos na IURD, Deus é Amor, Igreja de Cristo, Sara Nossa Terra, Videira e Renascer.” Pois é, parece que a convicção dele — como o “amor à camisa” de muito jogador de futebol — sempre vai para a Igreja que paga mais. Talvez seja pela falta de materialismo que os budistas (ou seriam os hindus?) irritam tanto esse pastor.

Este post já está longo demais. Mas encontrei tanto bullshit fundamentalista por aí que, graças a deus (literalmente), essa série não vai morrer tão cedo.

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