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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Conflitos Esquecidos [9] - A Guerra do Hífen

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A Guerra do Hífen foi um dos mais curiosos conflitos do século XX. Embora tenha sido travada por parlamentares, gramáticos, professores e puristas das línguas envolvidas, a guerra acabou  não com a separação não de uma palavra, mas de um país inteiro: a Checoslováquia.

Antecedentes Históricos
Para quem tem menos de 20 anos e não sabe, a Checoslováquia foi um Estado criado em 1919, após a queda do Império Austro-Húngaro. O território foi formado pela união da Rutênia, Eslováquia, Morávia e da antiga Boêmia (não confundir com a “Boemiiiiiaa…”, de Nelson Gonçalves). No novo país deveriam conviver, em regime federativo, os checos e os eslovacos, além das minorias germânica, polonesa e ucraniana. Menos de vinte anos depois, a Checoslováquia foi o primeiro país não-germânico a ser anexado (ou penetrado, se você prefere piadas infames) pela Alemanha nazista.


Após a guerra, a Checoslováquia foi ocupada por forças soviéticas e tornou-se uma república socialista. Um dos Estados mais liberais por trás da cortina de ferro, a Checoslováquia foi duramente reprimida por tropas do Pacto de Varsóvia em 1968, quando tentou ser autônoma em relação a URSS ao propor um “socialismo de face humana”.

Duas décadas depois, quando a URSS caiu, a Checoslováquia começou a perceber as diferenças entre seus povos. Diferentemente da carnificina que ocorreria nos Bálcãs, a separação checoslovaca foi civilizada.

Uma guerra culta
Não apenas civilizada e pacífica, mas culta. As primeiras divergências surgiram em 1990, quando o nome oficial do país ainda era República Socialista Checoslovaca (Československá socialistická republika). O então presidente Václav Havel propôs apenas derrubar o “Socialista” do nome. Mas os líderes políticos eslovacos queriam mais.

Eles exigiam que o novo nome demonstrasse a igualdade entre ambas as etnias. Para isso, apresentaram a proposta de grafar o nome do país com um hífen (p. ex. “República da Checo-Eslováquia” ou “Federação da Checo-Eslováquia”). Eles alegavam que o nome do país originalmente era assim — embora o hífen tenha caído, tanto em checo quanto em eslovaco, após 1920. Havel, o presidente-poeta, aceitou e mandou um projeto de lei para o parlamento:  o nome do país seria República da Checo-Eslováquia.
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Se-parado ou Tudojunto?
No entanto, houve uma pequena divergência linguística durante a votação do projeto, em 29 de março de 1990, o que poderia ser chamado a Batalha do Hífen. Como solução de compromisso — ou talvez temendo o estouro de uma guerra civil dentro das faculdades de letras — foi decidido que, o nome do país teria hífen em eslovaco (Česko-slovenská federatívna republika), mas não em checo (Československá federativní republika).

Exatamente por mostrar as divergências de um país que, até então queria se manter unido, a solução criada pelos políticos pegou mal. Então, menos de um mês depois, em 20 de abril de 1990, o parlamento mudou o nome da Checo(-E)slováquia de novo.

No entanto, checos e eslovacos também não se entendiam muito bem sobre qual sinal usar para a separação dos nomes. Os eslovacos pediam um hífen [-]; os checos preferiam usar um travessão [—]. Embora haja uma clara diferença de uso entre hífen e travessão em ambas as línguas, os checos não viam muita diferença entre um e outro.

Como tanto em checo quanto em eslovaco se usa maiúscula apenas na primeira palavra do nome de um país, foi apresentada a proposta de “República Federativa Checa e Eslovaca” (checo: Česká a Slovenská Federativní Republika; eslovaco: Česká a Slovenská Federatívna Republika). Além de eliminar a divergência entre hífen, travessão ou tudojunto, tal arranjo com partícula aditiva permitiria que tanto “Checa” quanto “Eslovaca” fossem grafadas com letra maiúscula.

Mesmo assim, a República Federativa Checa e Eslovaca também não duraria muito tempo. Embora pequenas e, até certo ponto fúteis, as divergências linguísticas fizeram checos e eslovacos acordar e repensar suas identidades políticas, econômicas, sociais e históricas. Em 1992, líderes políticos de ambos os povos concordaram, pacificamente, que o melhor era dividir a federação em dois países. O chamado Divórcio de Veludo pôs fim a um casamento de 75 anos da melhor forma possível: a partir de 1º. de janeiro de 1993, a República Checa separou-se da Eslováquia. Não sabemos se é possível dizer o mesmo quanto a dicionários, mas nenhum tiro foi disparado.

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