Pesquisar este blog

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Montaigne e a força do hábito


Roubemos espaço aqui para uma história. Um fidalgo francês sempre se assoava com a mão — coisa muito avessa ao nosso costume. Acerca disso, defendendo sua atitude (e era famoso pelos ditos espirituosos), ele perguntou-me que privilégio tinha aquela excreção para que lhe fôssemos preparando um belo lenço delicado a fim de recebê-la e depois, o que é pior, empacotá-la [no lenço] e guardá-la cuidadosamente em nós; que isso devia causar mais horror e náusea do que vê-la ser lançada fora de qualquer maneira, como fazemos com as outras excreções. Achei que ele não falava totalmente sem razão e que o costume me eliminara a percepção dessa extravagância, que no entanto consideramos tão horrível quando é narrada a propósito de um outro país.

— Michel de Montaigne, Do costume e de não mudar facilmente uma lei aceita. in: Ensaios, Livro I (1595)
Estou lendo, ainda que lentamente, Montaigne. À parte sua inevitável linguagem quinhentista e as diversas citações latinas e até gregas, achei Montaigne muito parecido com um blogueiro. Seus escritos foram originalmente criados apenas como uma espécie de diário, de auto-retrato de seu pensamento.

Com uma ampla gama de temas — do hábito de assoar o nariz aos índios da América e à educação das crianças — exemplificados por experiências do autor ou de conhecidos seus, os Ensaios de Michel de Montaigne (1533-1592) foram inovadores justamente por sua diversidade e sua brevidade (em relação aos outros textos filosóficos da época). 

Os ensaios começaram a ser escritos em 1572, mas foram publicados pela primeira vez em dois volumes em 1580. Na segunda edição, em 1588, foram feitos inúmeros acréscimos e saiu um terceiro volume. A terceira edição, de 1595, já póstuma foi baseada em rascunhos manuscritos feitos por Montaigne em um exemplar de 1588.

Quanto à filosofia, Montaigne não cria uma escola de pensamento pois não é um moralista ou um doutrinador. Como se nota em seus Ensaios, ele preocupa-se mais em levantar perguntas do que dar respostas ou apresentar as coisas como certas ou erradas. Embora seja cristão, mantém-se cético diante de relatos de milagres, de misticismos e crendices. Igualmente, mostra-se bastante indiferente às divisões religiosas de sua época. Assim, ele pode ser considerado o pai do livre-pensamento moderno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este espaço destina-se à ampliação das dimensões apresentadas no texto através uma discussão civilizada - o que exclui comentários que contenham ofensas pessoais ou qualquer tipo de preconceito (por cor, crença religiosa ou falta crença, gênero ou orientação sexual).

Postagens anônimas são permitidas, desde que não cometam qualquer abuso citado acima.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...