Perseguida no século passado por músicos profissionais que se sentiam ameaçados, agora é a indústria fonográfica que se considera ameaçada e usa as mesmas estratégias que foram usadas contra ela. O resultado vai ser o mesmo: nenhum.
Na década de 1930, à medida que a música gravada se tornava mais popular, os músicos ficavam cada vez mais preocupados. Havia um temor quase universal entre os profissionais da música em relação à nascente indústria fonográfica. Os músicos acreditavam seriamente que acabariam sendo economicamente extintos pelos discos de vinil, pelo rádio (e pelo recém-inventado cinema com som).
Eles opunham-se até a avanços tecnológicos que pareciam mais distantes, como robôs capazes de compor, cantar e tocar — coisas que não existem nem nesse início de século XXI, quase oitenta anos depois. Procurando manter suas posições ameaçadas, músicos profissionais dos Estados Unidos e do Canadá se reuniram na Federação Americana de Músicos.
O trabalho da FAM era simples: publicar anúncios em jornais — que, então, eram os principais meios de comunicação — alertando contra a música “robotizada” das gravadoras, do rádio e do cinema, apresentado-a como “sem emoção”. Um anúncio típico da FAM, como este ao lado, também argumentava que a música gravada resultariam em “monotonia nos teatros — degradação do bom-gosto — destruição da arte.”
Apesar de conseguir reunir mais de 140.000 músicos profissionais em dois países com grandes economias, a Federação Americana de Músicos não foi capaz de deter o crescimento da indústria fonográfica, o surgimento da era do rádio ou o sucesso dos filmes falados e com trilha sonora. Era uma luta essencialmente vã, uma luta contra o avanço tecnológico e cultural.
80 ANOS DEPOIS
Foram-se os discos de vinil, foram-se as fitas cassete. Mas, ironicamente, quando o CD começou a cair em desuso, quem passou a ser reacionário foi a própria indústria fonográfica — aquela, que fora tão criticada pelos velhos músicos do século passado. Tal qual os músicos ludistas dos anos 1930, a indústria fonográfica como um todo sente-se ameaçada pelo surgimento de uma nova tecnologia musical, o MP3.
E do mesmo modo que os músicos, a indústria fonográfica associa-se a órgãos de “defesa dos direitos autorais” (a RIAA nos Estados Unidos e a ABPD no Brasil, além de outras 45 em diversos países). Esses órgãos tentam convencer o público de que compartilhamento digital de músicas é algo ilegal; que os músicos e os compositores vão perder seus empregos se não forem pagos por suas músicas; que músicos independentes de gravadoras são meros amadores de má qualidade e que ainda atrapalham a carreira de músicos profissionais. Acima de tudo, essas associações de gravadoras tentam nos convencer de que o fim da indústria fonográfica seria o fim do mundo.
É verdade que, com o surgimento do cinema sonoro, muitos músicos perderam seus empregos em salas de exibição de filmes. A indústria fonográfica tornou-se ao longo das últimas décadas um verdadeiro guardião musical, decindo investir apenas no que lhe apraz e não no que interessa aos músicos ou ao público. Igualmente, pode até ser verdade que muita gente vai perder emprego se fecharmos as fábricas e as lojas de CDs e DVDs. Mas a indústria fonográfica não vai sumir.
Da mesma forma que aconteceu com os músicos profissionais de orquestras, a indústria fonográfica vai sobreviver, só que num mercado de nicho, os audiófilos. Audiófilos são pessoas que prezam muito a qualidade do som, seja técnica ou artística. Essa tribo é tão influente que graças a ela voltaram a ser feitos lançamentos de vinis e novas vitrolas foram fabricadas — e vendidas. Ainda que sejam poucos, os audiófilos têm uma grande vantagem sobre o ouvinte comum: eles realmente se dispõem a pagar por música gravada, mesmo que possam consegui-la na internet.
Mesmo com a possibilidade de ganhar mais com menos, as gravadoras ainda se sentem ameaçadas. Chegam ao cúmulo de pedir indenizações de milhões de dólares em processos judiciais contra adolecentes só por que estes se negam a pagar algumas dezenas de dólares por um disco de plástico (ou até vinil) que traz apenas uma ou duas músicas que lhes agrada.
O final de toda essa grande ironia histórica é que as gravadoras vão ter o mesmo sucesso que os músicos profissionais tiveram em tentar destrui-las no século passado. As gravadoras — embora sejam empresas multimilionárias e com muito mais poder político que um bando de músicos mal-organizados — também serão incapazes de impedir ou retroceder o avanço tecnológico. O grande público não vai voltar a pagar para ter música em mídias físicas quando pode ter música de graça da mesma forma que deixou de pagar por concertos musicais quando pôde ter discos.
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