Hapax Legomenon não é nenhuma espécie de legume nem de animal. Tampouco é o nome de alguma banda desconhecida.
Hapax Legomenon vem do grego “ἅπαξ λεγόμενον” e significa “algo dito apenas uma única vez”. Assim, esse é o nome de um fenômeno linguístico bastante curioso: as palavras que fazem uma aparição única numa determinada obra, numa língua e, também, são aquelas palavrinhas que são usadas uma única vez por certo autor. Eis alguns exemplos:
- NORTELRYE (inglês) – o mesmo que “educação”; usado apenas uma vez por um único autor, Geoffrey Chaucer, poeta medieval e considerado por alguns como Pai da Literatura Inglesa.
- AUTOGUOS [αυτογυος] (grego arcaico) – possivelmente refere-se a algum tipo de aragem; aparece apenas uma vez na obra de Hesíodo. Ainda há dúvidas quanto ao significado exato.
- SLÆPWERIGNE (inglês arcaico) – aparece apenas no Livro de Exeter, um dos mais antigos da língua inglesa, escrito em 960 ou em 990. O significado exato da palavra não é conhecido. Há quem diga que é algo como “cansado e com sono”.
- FLOTHER (inglês) – aparece apenas num manuscrito de origem obscura, datado do fim do século XIII. É o mesmo que “floco de neve”.
- PANAORIOS [παναωριος] (grego arcaico) – Significa “muito fora de época” ou “muito fora de tempo”. Um dos muitos Hapax Legomena (esse é o plural) da Ilíada.
- HONORIFICABILITUDINITATIBUS (inglês via latim) – Parece um palavrão, não é mesmo? Originária do latim, é a mais longa palavra inglesa com alternância de consonantes e vogais. É o plural ablativo de honorificabilitudinitas, que pode ser traduzido como “o estado de ser capaz de alcançar honras”. É uma Hapax Legomenon em inglês pois foi usada apenas por Shakespeare na seguinte estrofe de Trabalhos de Amores Perdidos, uma das primeiras comédias do Bardo de Avon:
“O, they have lived long on the alms-basket of words.
I marvel thy master hath not eaten thee for a word;
for thou art not so long by the head as
honorificabilitudinitatibus: thou art easier
swallowed than a flap-dragon.”
— Costardo, Trabalho de Amores Perdidos, Cena 1 do 5º Ato.
- SUMMERSETS (inglês) – é usada uma única vez em toda a obra dos Beatles. Aparece na música "Being for the benefit of Mr Kite", do famoso Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band.
É uma variante vitoriana de "somersaults" e teria sido encontrada por John Lennon num cartaz amarelado de um velho circo. Significa “dar um salto mortal” e tem origem francesa. Vem de sombresault, que, por sua vez é uma variação de sobresault. Assim, também pode ser traduzido como “sobressaltar”.
Hapax Legomena são muito comuns em textos bíblicos e, obviamente, em escritas que ainda não foram inteiramente decifradas, como é o caso dos hieróglifos maias, a única linguagem escrita da América Pré-Colombiana. A ocorrência constante de Hapax Legomena nesses casos dificulta ainda mais os trabalhos de decifração e tradução. Eis alguns curiosos exemplos bíblicos (esses você pode encontrar em casa!):
- LILITH (לילית) – a única ocorrência no Velho Testamento está em Isaías 34:14. Em português, traduz-se por “animais noturnos”. Em inglês usa-se “corujas”.
Mas, segundo a Cabala judaica, Lilith é um dos mais obscuros personagens bíblicos, e teria sido a primeira mulher de Adão, antes mesmo de Eva. Para as antigas lendas hebraicas, Lilith teria se rebelado contra o sistema patriarcal pois se negava a deitar-se debaixo de Adão. Hoje, alguns a consideram como a primeira feminista.
Para manter o establishment, Deus teria enviado ao Éden dois anjos: Eva e Samael. Este teria tentado Lilith, sem obter sucesso. Mas Eva teria sido bem-sucedida ao seduzir Adão e ter filhos com ele.
Enfurecida, Lilith passou a tentar destruir a humanidade recém-formada. Assim, ela – e não o diabo – seria a serpente que tentou Adão e Eva e causou a expulsão da humanidade do Jardim do Éden. - GVINA (גבינה) – também ocorre apenas no Velho Testamento, em Jó 10:10. Normalmente é traduzido como “queijo”. Apesar de se referir a algo comum, essa palavra não existe no hebreu moderno e por isso é uma Hapax Legomenon.
- GOPHER ou GOFER (גפר) – é parte da expressão madeira de Gofer, material com o qual a Arca de Noé teria sido feita (segundo Gênesis 6:14). Há muita controvérisias sobre o que seria Gofer.
Há quem defenda que seria uma espécie de árvore já extinta (obviamente, extinta durante o Dilúvio). Outros dizem que Gofer quer dizer simplesmente “cipreste” e não teria sido entendida corretamente pelos vários tradutores da bíblia.
De fato, a Septuaginta Grega do século III a.C. traduz o termo como xylon tetragonon ou “madeira quadrada”.
Mais tarde, a Vulgata Latina do século V fala em lignis levigatis (ou lævigatis), que é algo como “madeira macia e aplainada”.
Estudiosos judeus acreditam que Gopher é uma tradução para o hebraico de gushure i erini (“grãos de cedro” em Babilônio) ou de giparu (“junco” em Assírio).
Outras sugestões de tradução: “pinho”, “junípero”, “acácia”, “ébano” e até “piche”, o que faria “madeira de Gofer” transformar-se em “madeira com piche”.
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