Eis o vídeo do discurso. São 17 minutos da mais brilhante oratória do século XX. Veja-o e em seguida acompanhe a tradução:
Eu estou feliz ao me juntar com vocês hoje naquilo que passará para a História como a maior manifestação pela liberdade em nossa nação.
Um século atrás, um grande Americano, à sombra de quem estamos hoje, assinou a Proclamação de Emancipação. Este momentoso decreto tornou-se um farol de esperança para milhões de escravos Negros que estavam sendo queimados pelas chamas de uma injustiça devastadora. Foi o começo de um alegre amanhecer que pôs fim à longa noite do cativeiro.
Mas, cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida dos Negros ainda é tristemente acorrentada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos depois, o Negro ainda vive numa ilha solitária de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade. Cem anos depois, o Negro continua esquecido, às margens da sociedade americana e exilado em sua própria pátria. Então nós estamos aqui hoje por causa destas condições dramáticas.
De certa forma, viemos à Capital da Nação para descontar um cheque. Quando os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, eles estavam assinando uma nota promissória que seria herdada por cada americano. Esta nota era a promessa de que todos os homens, sim, tanto negros quanto brancos teriam “os Direitos inalienáveis” à “Vida, à Liberdade e à procura da Felicidade”. É obvio hoje que a América está em dívida por causa dessa promissória, pois seus cidadãos de cor estão preocupados. Em vez de honrar essa sagrada obrigação, a América deu ao povo Negro um cheque ruim, um cheque que voltou por “falta de fundos”.
Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça foi à falência. Nós nos recusamos a acreditar que não há fundos sob os céus de oportunidade desta nação. Então, nós estamos aqui para sacar esse cheque, um cheque que nos dará as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.
Nós também viemos a esse local sagrado para lembrar a América da ameaçadora urgência deste momento. Não é hora de se dar ao luxo de abafar tudo ou de tomar a droga tranqüilizante do gradualismo. Agora é hora de realizar as promessas de democracia. Agora é hora de caminhar, e sair do profundo e obscuro vale da segregação em direção à iluminada estrada da justiça racial. Agora é hora de tirar nossa nação do atoleiro da injustiça racial e levá-la à sólida rocha da fraternidade. Agora é hora de fazer justiça para todos os filhos de Deus.
Seria fatal para a nação ignorar a urgência deste momento. Este verão escaldante do legítimo descontentamento Negro não passará até que haja um revigorante outono de liberdade e igualdade. Mil novecentos e sessenta e três não é um fim, mas um começo. E aqueles que acreditam que o Negro precisa apenas desabafar serão tomados de sobressalto se a nação voltar aos negócios como costuma fazer. E não haverá descanso nem tranqüilidade na América até que os Negros recebam seus direitos de cidadania. Os tornados da revolta continuarão a abalar os alicerces de nossa nação até o dia iluminado em que a justiça emergirá.
Mas há uma coisa que quero dizer ao meu povo, que está às sombras das colunas que levam ao palácio da justiça: no processo para ganhar um lugar que é nosso de direito, não podemos ser culpados por ações equivocadas. Não podemos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo do copo do ódio e do desprezo. Nós sempre devemos conduzir nossa luta através dos elevados padrões da disciplina e da dignidade. Não podemos permitir que nossos protestos criativos se degenerem em violência física. Eu insisto: devemos subir às majestosas alturas com a união da força física com a força espiritual.
A nova e maravilhosa militância que reuniu a comunidade negra não pode nos levar a desconfiar de todos os brancos. Pois muitos irmãos brancos, como evidenciado pela sua presença aqui hoje, vieram a perceber que seus destinos estão amarrados aos nossos. E eles viram que a liberdade deles está limitada pela nossa liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos.
E enquanto caminharmos, temos que jurar solenemente que sempre marcharemos à frente.
Nós não poderemos voltar.
Há aqueles que perguntam aos defensores dos direitos civis: “Quando você ficará satisfeito?”. Nós nunca ficaremos satisfeitos enquanto os Negros forem vítimas dos horrores inenarráveis da brutalidade policial. Nós nunca ficaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, cansados pelas fadigas de uma viagem, não encontrarem alojamento nos motéis das estradas ou nos hotéis das cidades. Nós nunca ficaremos satisfeitos enquanto o único progresso que um Negro poderá fazer é se mudar de um pequeno gueto para outro maior. Nós nunca ficaremos satisfeitos enquanto as nossas crianças forem despidas de sua identidade e roubadas em sua dignidade por uma placa que diz: “Apenas para Brancos”. Nós nunca ficaremos satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não possa votar e outro em Nova York não veja motivos para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e não seremos satisfeitos até que “haja tanta justiça quanto as águas de uma enchente e que a honestidade seja como um rio caudaloso.”
Eu sei que alguns de vocês chegaram aqui após passarem por grandes julgamentos e tribulações. Alguns de vocês acabam de sair de celas estreitas. E alguns vieram de áreas onde o seu clamor – o clamor pela liberdade foi rebatido violentamente pelas tempestades de perseguição e derrubado pelos ventos da brutalidade policial. Vós sois os veteranos do sofrimento criativo. Continuai a trabalhar com fé, pois o sofrimento imerecido é redentor. Voltem ao Mississipi. Voltem ao Alabama. Voltem à Carolina do Sul. Voltem à Geórgia. Voltem à Louisiana. Voltem às favelas e guetos das cidades do Norte sabendo que de alguma forma essa situação pode e deve ser modificada.
Eu vos digo que não iremos cair no vale do desespero, meus amigos.
E mesmo ao encontrar dificuldades hoje ou amanhã, eu ainda tenho um sonho. Um sonho profundamente ligado ao sonho americano.
Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se levantará e viverá de acordo com o verdadeiro significado desta crença: “Nós consideramos estas verdades auto-evidentes, de que todos os homens foram criados iguais.”.
Eu tenho um sonho de que um dia, sobre as colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos senhores de escravos sentar-se-ão à mesa da irmandade.
Eu tenho um sonho de que um dia até mesmo o Estado do Mississipi, um estado desolado pelo calor da injustiça e devastado pelo calor da opressão será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho de que um dia meus quatro filhos pequenos viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
Hoje eu tenho um sonho!
Eu tenho um sonho de que um dia lá no Alabama, com seus racistas viciados e seu governador falando em “interposição” e “nulificação” – um dia lá no Alabama, garotos e garotas negros poderão dar as mãos aos garotos e garotas brancos e agir como irmãos e irmãs.
Hoje eu tenho um sonho!
Eu tenho um sonho de que um dia “todos os vales serão aterrados e todos os morros e montes serão aplanados; os terrenos cheios de altos e baixos serão planos e as regiões montanhosas virarão planícies. Então o Senhor revelará a sua glória e toda a humanidade a verá.”.
Esta é a nossa esperança e esta é a fé que eu levarei de volta comigo para o Sul.
Com esta fé nós seremos capazes de extrair da montanha do desespero a rocha da esperança. Com esta fé seremos capazes de transformar os desafinados acordes de nossa nação em uma belíssima sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós seremos capazes de trabalhar juntos, de rezar juntos, de lutar juntos, de sermos presos juntos, de esperar pela liberdade juntos, sabendo que nós seremos livres um dia.
E este será o dia – será o dia em que todos os filhos de Deus cantarão isto com um novo significado:
Minha pátria és tu, doce terra de liberdade, eu vos canto.
Terra onde meus pais morreram, terra de orgulho dos Peregrinos,
Em cada montanha, deixe a liberdade ecoar!
E se a América é uma grande nação, isto deve ser verdade.
"Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.
Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,
De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!"
E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.
E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire.
Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York.
Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania.
Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado.
Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia.
Mas não é só isso.
Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia.
Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee.
Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi.
Em todas as montanhas, ouviu-se o sino da liberdade."
E quando isto acontecer, quando deixarmos a liberdade ecoar, quando deixarmos a liberdade ecoar em cada vila e em cada aldeia, em cada estado e em cada cidade, quando todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, católicos e protestantes, serão capazes de juntar as mãos e cantar as palavras do velho cântico negro:
Livres enfim! Livres enfirm!
Graças a Deus Todo-Poderoso, Livres enfim!
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