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sábado, 27 de setembro de 2008

As verdadeiras vítimas do aborto

A polêmica em torno do aborto no Brasil é grande. A oposição à descriminalização do aborto é baseada, principalmente em questões puramente religiosas e machistas. O clero católico, principal voz contra o aborto é formado exclusivamente por homens que nunca saberão o que é ter um filho nem o que é ter que sustentar uma família em condições precárias. Esses mesmos homens, porém, não oferecem uma alternativa segura às mulheres, uma vez que a Igreja Católica condena o uso de qualquer método contraceptivo, seja ele físico (camisinhas) ou químico (anticoncepcionais). Muitos homens, infelizmente ainda vêem as mulheres como seres inferiores destinados exclusivamente à geração de herdeiros. Esses homens, independentemente de suas crenças religiosas, também são contra o aborto.

A lei que proíbe o aborto no Brasil é o Código Penal de 1940, em seus artigos 124, 125, 126, 127 e 128. Entretanto, mesmo com essa lei, os abortos clandestinos são comuns e põem em risco a vida de milhões de mulheres – adultas, já com uma vida formada e não apenas fetos com uma vida “em potencial”. Segundo dados da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, publicados pelo Ministério da Saúde em março de 2004, 31% de gestações terminam em aborto. Isso representa aproximadamente 1,4 milhão de abortamentos, entre espontâneos e inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos. Segundo a fonte já citada, em 2002 foi registrado o alto – e ignorado – índice de 53,77 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, devido a complicações na gestação, no parto ou no puerpério (período de 42 dias após o parto). As principais causas mortes maternas são a hipertensão, a hemorragia, a infecção puerperal e o aborto. Entretanto, a própria Área Técnica de Saúde da Mulher faz uma importante ressalva: os casos de mortes por abortamento podem ter sido maiores, já que muitas vezes as complicações decorrentes do aborto são registradas como hemorragias e infecções, o que pode camuflar as estatísticas de mortes maternas por abortamentos realizados de maneira precária, sem as menores condições de higiene.

Dados do SUS indicam que em 2004 foram realizados 1.600 abortos legais em 51 serviços especializados do SUS ao custo de R$ 232 mil. No mesmo ano, ocorreram no SUS 244 mil internações motivadas por curetagens pós-aborto - entre estes abortamentos espontâneos ou voluntários e feitos na clandestinidade - orçadas em R$ 35 milhões. Se fizermos os cálculos veremos que cada aborto legalizado (aqueles realizados após estupros ou em casos em que a mãe corre risco de vida) custa R$ 145,00. Os custos com cada internação pós-aborto clandestino são de R$ 143,44. Se o aborto fosse legalizado não haveria grande aumento dos gastos públicos com saúde e centenas, talvez milhares de mulheres seriam salvas.


A proposta de legalização do aborto, ao contrário do que afirmam alguns reacionários, não é irrestrita. Ninguém quer um genocídio de bebês praticamente formados, aos nove meses de gestação. A grande divergência se dá quando quer fixar um início para a vida humana. A maioria da comunidade científica, por exemplo, afirma que a vida humana só começa na 10ª. Semana de gestação (mais ou menos na metade do segundo mês), quando começa a se formar o sistema nervoso central (o cérebro e a medula espinhal). Só a partir de tal estágio é que há (algum nível de) consciência e, portanto, só após esse estágio o embrião sentiria as dores do aborto. Um aborto após as 10 semanas seria realmente inaceitável e, a meu ver, aí sim seria um assasinato, pois antes desse período o embrião humano é completamente indistinto do de qualquer outro animal. Aqueles que afirmam que a Constituição Federal garante o direito à vida esquecem-se que a Carta Magna não afirma quando a vida começa. Quem afirma que o início na vida se dá na concepção são os líderes religiosos, por razões puramente religiosas, e, portanto, de cunho estritamente pessoal. Entretanto, nenhum desses líderes religiosos comemora o aniversário na data de concepção e isso deve significar alguma coisa.


As mulheres devem sim ter direito de escolha. Descriminalizar o aborto não quer dizer que todas as mulheres que engravidarem vão resolver abortar. Somente aquelas em condições socioeconômicas precárias, que não apresentam condições financeiras nem psicológicas de se tornarem mães recorrem ao aborto e põem em risco a própria vida também. É um ato de desespero num momento difícil. Muitas dessas mães abrem mão do sonho da maternidade por complexas questões sociais e econômicas. Nenhuma delas acorda alegremente num dia e diz: “Oba, hoje é dia do meu aborto!”. Essas mães desamparadas enfrentam opressões psicológicas diante de tão dolorosa decisão. Se o aborto fosse legal e pudesse ser praticado livremente em hospitais, tais mulheres, antes de abortar, poderiam receber um importante apoio psicológico que lhes aliviaria o sofrimento e poderia fazê-las mudar de idéia. Dentro de um hospital as mulheres que desejassem abortar por que não têm condições financeiras poderiam ser encaminhadas ao serviço de assistência social e receber algum apoio em troca do aborto evitado.


O aborto, até as 10 semanas de gestação, seria mais uma opção num país onde o sistema educacional é ineficiente e a educação sexual é falha – e que ainda é atrapalhada pela visão de mundo equivocada da Igreja Católica. Os homens machões do Brasil muitas vezes recusam-se a usar camisinha. Depois que a mulher engravida, ela é abandonada pelo parceiro e a culpa é apenas dela. Muitas vezes até mesmo a própria família abandona a jovem que engravida precocemente por que isso “mancha” a honra da família. Como vimos, as mulheres são as verdadeiras vítimas na complexa questão do aborto. Elas também morrem ao se arriscar num procedimento abortivo clandestino. Nós só queremos defendê-las e apoiá-las.

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