À primeira vista, o livro que Montgomery Carmichael publicou em 1902 parece ser uma biografia bastante séria:
O testamento do meu amigo Philip Walshe deixou-me na posse de uma larga e extraordinária coleção de valiosos manuscritos e, ao mesmo tempo, legou-me uma tarefa difícil e nada delicada. Esses manuscritos formam a volumosa obra de seu pai, o finado Mr. John William Walshe, F.S.A., que faleceu no dia 2 de junho de 1900, aos 63 anos, em Assis, Úmbria, onde ele passou a segunda metade de sua vida. Mr. Walshe era bem conhecido entre os estudiosos como talvez a maior autoridade viva em matérias Franciscanas. De outro modo, ele não tinha fama alguma. O mundo, ocupado em seus eventos, não o conheceu.
Não se engane. A introdução séria e sóbria de The Life of John William Walshe é o retrato detalhado de um homem que nunca existiu. “Levou-me algum tempo para perceber que tudo isso” — escreveu um resenhista da já extinta revista americana The Dial — “é uma elaborada peça de mistificação e para lembrar que o nome de Walshe não figura em qualquer lista verdadeira de scholars Franciscanos, vivos ou mortos”.
O bibliotecário e escritor americano Edmund Lester Pearson (1880-1937) considera a obra “um dos mais inexplicáveis exemplos de hoax literário [...] [O livro] não contém um átomo de sátira, não era uma paródia e, até onde eu, pelo menos, pude descobrir por evidência interna ele é o que aparenta ser: uma sóbria e reverente biografia de um Inglês estabelecido na Itália, membro devoto da Igreja de Roma e estudante particularmente entusiasta e pio seguidor de São Francisco de Assis.”
E quanto ao autor? Carmichael era funcionário do serviço consular britânico na Itália e, um tanto obviamente, também publicou diversos livros de viagens europeus. Mas em relação a essa obra, ele nunca deu uma explicação. Carmichael apenas a considerava “a estória de uma vida escondida”. A minha hipótese é que Mr. Walshe era, em certo sentido, o próprio Carmichael: seria um caso pioneiro de heteronímia.
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