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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A carta da Martha

Em julho de 1833, George Harry Gray, sexto conde de Stamford e segundo conde de Herrington (1765-1845) recebeu uma carta que começava assim:

É com vergonha, com indescritível vergonha que eu presumo me dirigir a Vossa Senhoria com estas linhas. Mas, tendo conhecimento da pessoa de Vossa Senhoria desde minha infância e lembrando-me dos relatos do caráter empático e benevolente de Vossa Senhoria, eu estou prestes a confiar um assunto de grande infortúnio à honra e segredo de Vossa Senhoria.

Assinada por “Martha Turner”, a carta prosseguia, contando que ela havia abandonado sua mãe viúva no Natal por causa de um homem que lhe prometera se casar com ela [com “Martha”], mas que acabou abandonando-a, deixando-a “arruínada e perdida” (grifos originais). Ela, então, pedia “uma pequena assistência pecuniária”, implorando ao duplo conde para resgatá-la “da completa destruição” e de “uma morte miserável”.

Só que, da mesma maneira que o spammer nigeriano, Martha Turner simplesmente não existia. Seu apelo foi inteiramente inventado por Joseph Underwood, que era apenas mais um entre cerca de 250 missivistas impostores que enganavam as classes abastadas da Inglaterra dos anos 1830. Underwood escreveu a carta de Martha em uma letra (aparentemente) feminina. Para reforçar o golpe, ele também forjou mensagens do suposto sedutor da moça e de um clérigo que corroborava o relato trágico de Miss Turner.

Underwood chegou a ganhar quase mil libras por ano com o golpe da carta da Martha. Descoberto diversas vezes, o impostor passou por vários períodos de detenção. Em 1838, John Grant, outra vítima de Underwood, escreveu: 

Se a faculdade de criação é um dos principais atributos de [um] gênio, Underwood era um gênio de primeira magnitude. A força e a inspiração de seus fatos imaginativos eram notáveis. Tivesse ele voltado sua atenção à redação de romances, em vez da profissão de missivista impostor, não há o que dizer sobre quão alto estaria seu nome nesse momento na literatura corrente no país. 

Underwood, infelizmente, não deve ter visto esse conselho: ele faleceu na prisão de Coldbath Fields, em Clerkenwell, perto de Londres, naquele mesmo ano de 1838. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Em uma palavra [80]


écdise (éc.di.se)
s.f. a troca de pele pela qual passam alguns insetos, crustáceos ou cobras. [do grego ekdusis, através do inglês ecdysis]

Trollagem literária

Em 1917, o escritor William George Jordan — com o perdão da expressão — ficou de saco cheio de Gustave Simonson, um colega que também era membro do Clube de Autores de Nova York. Ao que tudo indica, Simonson era arrogante e pedante e estava convencido de que sabia tudo o que era possível saber sobre literatura russa. Então, um dia, Jordan procurou Simonson para saber sua opinião sobre Vyodne, uma novela inexistente do igualmente inexistente autor russo Feodor Larrovitch (1817-1881, à dir.). Simonson, talvez desconcertado, respondeu que não conhecia nada a respeito.

Isso poderia ser o bastante para qualquer um, mas foi só o começo de uma longa vingança literária. Jordan pediu ajuda a outro membro do clube, que apresentou uma palestra sobre Larronovitch e ofereceu um jantar em sua honra. A homenagem foi completa, com louvores e declamação de pseudopoesias do pseudoautor. O evento foi divulgado pela imprensa, onde Jordan também tinha seus contatos. Ele conseguiu convencer alguns jornalistas a escrever vagos artigos louvando Larrovitch. 

No ano seguinte, a conspiração chegou a ponto de publicar um livro, Feodor Vladimir Larrovitch: An Appreciation of His Life and Works [Feodor Vladimir Larrovitch: uma apreciação de sua vida e obra], que incluía um perfil biográfico, críticas literárias, cartas, poemas e um ensaio de Titus Munson Coan relembrando suas conversas com o “grande” autor russo. O livro tem retratos dos pais de Larrovicht, dele, de sua tumba e até a reprodução de um manuscrito original! Tudo era forjado, mas foi o que bastou para que Simonson se convencesse da veracidade da vida e obra de Larronovitch e, talvez orgulhosamente, escrevesse um artigo sobre ele nos anais do clube.

Essa trollagem toda foi logo esquecida, pois os envolvidos não tardaram a morrer: Coan, em 1921; Jordan, em 1926. Tudo teria passado por verdade até hoje, não fosse — por incrível que pareça — a intervenção de um jornalista esportivo (!!) da Suécia (!!!!), em 1932. Ele percebeu inconsistências na grafia do nome de Larrovitch (que vocês já devem ter percebido) em tudo que havia sido publicado sobre o suposto autor russo e escreveu ao Clube de Autores de Nova York, que admitiu a falsidade da história.

sábado, 26 de novembro de 2011

“Alimentos no Ano 2000”

Em 1894, o Professor (e Químico-Orgânico) francês Marcelin Berthelot publicou um artigo com o título acima na McClure’s Magazine. Seriamente entusiasmado, ele previa um mundo no qual a Química substituiria integralmente a Agricultura como fonte de sustento alimentar dos seres humanos:
Campos de trigo e de milho estão para desaparecer da face da terra porque farinha e carne não serão mais criadas, mas fabricadas. Rebanhos de gado, de ovelhas e de suínos deixarão de ser criados poque o bife, a carne de carneiro e a de porco serão manufaturadas diretamente de seus elementos. Não há dúvidas de que frutas e flores continuarão a ser cultivadas, mas apenas como pequenas luxúrias decorativas e não mais como fontes necessárias de alimento e ornamentação. Não haverá, nos grandes trens aéreos do futuro, vagões de grãos ou gado, pois os elementos fundamentais dos alimentos existirão por toda parte, sem precisar de transporte. O carvão não será mais extraído do solo — com exceção, talvez de transformá-lo em pão ou carne. Os motores das grandes indústrias alimentícias serão movidos não por combustão artificial, mas pelo calor subjacente ao globo.

Em resumo, o que o Prof. Berthelot (1827-1907) previa era que hoje estaríamos nos alimentando de pílulas concentradas com proteínas, gorduras e carboidratos sintetizados em fábricas movidas a energia geotérmica!

Patentes Patéticas (nº. 35)


Ah, com o verão que está chegando uma casquinha de sorvete é uma boa pedida, não é mesmo? Mas, vamos combinar: as casquinhas de sorvete são uma droga! Precisamos ficar girando-as o tempo todo para evitar que o sorvete derreta e se esparrame, sujando (e cansando) a mão do consumidor.

Deve ter sido mais ou menos esse o raciocínio que passou pela cabeça de Richard B. Hartman, de Issaquah, Washington no fim dos anos 1990. Com um problema tão simples a resolver, Mr. Hartman não tardou a ver a solução tipicamente americana: Casquinhas de Sorvete Motorizadas. Ou, segundo o resumo da patente 5.971.829:

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Quando menos se espera


Após uma década de experiências jornalísticas frustradas no interior dos Estados Unidos, Lyman Frank Baum tinha 41 anos de idade quando finalmente conseguiu publicar seu primeiro livro, Mother Goose in Prose [Mamãe Ganso em Prosa], em 1897. No exemplar que deu de presente à sua irmã, ele escreveu uma confissão:
Quando eu era jovem, eu queria muito escrever uma grande novela que me trouxesse fama. Agora que estou ficando velho, meu primeiro livro foi escrito para divertir crianças. Afora minha evidente inabilidade para fazer qualquer coisa “grande”, eu aprendi a ver a fama como um fogo-fátuo que, quando pega, não vale nada. Mas agradar uma criança é uma coisa doce e amável, que aquece o coração e traz sua própria recompensa.

Três anos mais tarde, a fama iluminaria Frank Baum com uma chama bastante duradoura e com outro livro “escrito para divertir crianças”. Só que esse livro acabaria se tornando “uma grande novela” (e, eventualmente, um grande filme): O Mágico de Oz.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Os EUA derrotariam Roma?




Essa boa pergunta começou como uma experiência de pensamento no Reddit.com quando um usuário chamado The_Quiet_Earth postou a seguinte questão: “Eu poderia destruir o Império Romano inteiro durante o reinado de Augusto [circa 23 A.E.C.] se eu viajasse no tempo com um moderno batalhão de infantaria da Marinha dos Estados Unidos ou uma MEU?” Pouco depois, o usuário fez alguns esclarecimentos e apresentou um cenário mais preciso:

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Decoro parlamentar

Thomas Coke, 2º. conde de
Leicester e recordista mundial
 de decoro parlamentar
Thomas Coke (1822-1909), segundo conde de Leicester foi membro do parlamento britânico por 67 anos, de 1842 a 1909 — sem dizer uma única palavra.

Seu filho, Thomas William Coke (1848-1941), o terceiro conde, manteve-se em silêncio por 32 anos. O quarto conde, também chamado Thomas William Coke (1880-1949) e também não disse nada durante 23 anos.

Por fim, o quinto conde de Leicester, Thomas William Edward Coke (1908-1976) ficou quieto no parlamento por 22 anos. Só se manifestou em 1972, quando disse: “Eu espero que nós iremos usar [substâncias] químicas mais seguras no lugar daquelas que tem devastado o campo.”

Mais tarde ele declarou que seu “recorde de silêncio não é de modo algum notável, pois sei que minha família não tem sido muito barulhenta nesta Casa.”

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Em uma palavra [79]

gregicídio (gre.gi.cí.dio)
s.m., neolog. 1. assassinato de diversas pessoas comuns; assassinato em série. 2. extermínio de rebanhos. Gregicida, s.c.2g., que ou aquele que pratica o gregicídio; serial killer. [neologismo formado por comparação com regicídio, a partir do latim grex = grei, rebanho, multidão] 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Saída Estratégica

Um Judeu muito velho chamou sua mulher para a cama e disse: “Eu estou morrendo. Por favor, chame um padre... Eu gostaria de me converter ao Catolicismo.” Chocada, a mulher lembrou ao seu marido que eles haviam sido judeus devotos durante toda a vida. “Eu sei, querida,” disse ele, “mas não é melhor que um deles morra em lugar de um dos nossos?” — Epígrafe anônima em John Martin Fischer, The Metaphysics of Death [A Metafísica da Morte], 1993

domingo, 20 de novembro de 2011

Trollagem de Carroll



Em 1873, Lewis Carroll emprestou o diário de viagem de sua pequena amiga Ella Monier-Williams, sob a condição de que ele não o mostraria para ninguém. Ele devolveu-o à menina junto com essa cartinha:
Minha querida Ella,

Eu, muito agradecido, devolvo seu livro. Você deve estar pensando porque o mantive por tanto tempo. Eu compreendo, com base no que você disse sobre ele, que você não tinha ideia de publicar nada em seu nome. Espero que você não fique brava por eu ter enviado três capítulos curtos, extraídos dele, para serem publicados no The Monthly Packet [O Paquete Mensal]. Eu não apresentei nenhum nome por inteiro nem coloquei qualquer título mais definido do que o simples Diário de Ella, ou As Experiências de uma filha de um Professor de Oxford durante um mês de Viagem ao Exterior.

Eu lhe remeterei fielmente qualquer dinheiro que eu possa receber de Miss Yonge, editora do Monthly Packet, por isso.

Seu afetuoso amigo,
C.L. Dodgson

Conhecendo bem o espírito de Carroll, Ella pensou que ele estava brincando e escreveu-lhe para dizer isso. Mas ele respondeu assim:
Fico muito sentido em ter que te dizer que cada palavra da minha carta era estritamente verdadeira. Eu agora vou te contar mais — que Miss Yonge não recusou o Manuscrito, mas ela não vai pagar mais do que um guinéu por capítulo. Isso será o bastante?
“A segunda carta”, escreveu Ella Monier-Williams, já adulta, “conseguiu me fazer entrar no jogo. Com um prazer infantil, eu escrevi dizendo que não entendia muito bem como meu relato poderia valer a publicação, mas expressei também meu prazer. Depois recebi esta carta:”
Minha querida Ella,

Eu temo ter lhe passado um trote grande demais. Mas era verdade mesmo. Eu esperava que você não ficaria brava, etc. simplesmente porque eu não o fiz. E eu não coloquei Diário de Ella como título, aliás não coloquei título algum. Miss Yonge não recusou o manuscrito porque ela nem o viu. E eu nem preciso explicar porque ela não lhe deu mais do que três guinéus!

Nem por trezentos guinéus eu o mostraria a qualquer um depois de te fazer uma promessa, eu não poderia.

Com pressa,

Afetuosamente seu,
C.L.D.

sábado, 19 de novembro de 2011

Patentes patéticas (nº. 34)


Já em 1930 havia gente bastante preocupada com atropelamentos a ponto de pensar em soluções práticas (ou não). Heinrich Karl, de Jersey City, New Jersey, é um exemplo desse tipo de pessoa: ele inventou um complexo mecanismo para impedir ou minimizar os efeitos de um atropelamento. O sistema, totalmente mecânico, “sentiria” o choque com um pedestre, pararia o veículo e ainda teria a gentileza de lançar um lençol no solo para que “as roupas [da vítima] não sejam sujas.”

A geringonça anti-atropelo era tão imensamente complicada que a patente tinha oito páginas para descrever o sistema ilustrado em outras duas páginas — normalmente as patente têm só quatro ou cinco páginas. Até o título completo da patente nº. 1.865.014 é enorme: Dispositivo Automático para Veículos Sem-Cavalos para Proteção dos Pedestres e do Próprio Veículo. Um resumo simplificado é apresentado em partes do primeiro parágrafo (que soma quase 40 linhas) da patente, emitida em 28 de junho de 1932:
[...] Mais particularmente, este dispositivo inclui meios para prevenir o pedestre [...] de ser atropelado pelas rodas do dito automóvel ou caminhão, etc, [...] de tal maneira que a pessoa que for atingida não apenas cairá sobre o dito lençol [...] mas sua queda será amortecida pelo lençol, o qual não se apoiará diretamente no solo, previnindo assim ferimentos na dita pessoa. [...] Meios similares também são empregados na traseira do automóvel, etc, para proteger pessoas e o automóvel quando ele se move para trás. [...]

Entretanto, bem mais adiante, Mr. Karl via nessa complicação toda uma virtude e não um defeito:
O fato de que será necessária uma certa quantidade de trabalho e alguma perda de tempo para repor as diversas partes em suas posições normais após a ocorrência de uma colisão é uma razão para que o motorista do veículo seja mais cauteloso ao dirigir seu carro ou caminhão, etc, o que por sua vez diminuiria o alto número de acidentes decorrentes de colisões entre pessoas ou veículos.

Essa ideia pode parecer bastante lógica, mas é bom lembrarmos que um sistema de air-bag (que é muito mais simples) também demanda bastante perda de tempo e dinheiro após o uso — e mesmo assim, atropelamentos continuam ocorrendo. Pois na maior parte das vezes o defeito encontra-se entre o volante e o assento do banco dianteiro esquerdo (ou direito, em alguns casos).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Incidente de Kersey

Kersey em 1957. Aquarela de Jack Merriot.
Pensando bem, aquele silêncio era mesmo uma coisa muito estranha: os sinos das igrejas pararam de tocar e até os patos se calaram e ficaram quietos no pequeno riacho no começo da rua principal enquanto o trio de cadetes navais se aproximava do vilarejo. Mais tarde, segundo a recordação dos garotos, até o canto outonal de um pássaro de desvaneceu à medida que eles se aproximavam das primeiras casas. Nenhuma folha se movia nas árvores que, aliás, pareciam não ter sombras. Até mesmo o vento parecia ter deixado de existir.

A rua em si estava bem deserta. Isso não seria surpresa numa manhã de domingo de 1957, ainda mais no coração rural da Inglaterra. No entanto, mesmo os mais remotos vilarejos britânicos já mostravam então sinais de modernidade — carros estacionados nas calçadas, linhas telefônicas suspensas ao lado das ruas e antenas espalhadas pelos tetos. Mas não havia nada disso naquela vila. De fato, todas as casas daquela rua pareciam antiquíssimas: eram grosseiras, com estruturas de madeira, e “quase medievais em aparência”, pensava um dos garotos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

“Uma vida escondida”

À primeira vista, o livro que Montgomery Carmichael publicou em 1902 parece ser uma biografia bastante séria:
O testamento do meu amigo Philip Walshe deixou-me na posse de uma larga e extraordinária coleção de valiosos manuscritos e, ao mesmo tempo, legou-me uma tarefa difícil e nada delicada. Esses manuscritos formam a volumosa obra de seu pai, o finado Mr. John William Walshe, F.S.A., que faleceu no dia 2 de junho de 1900, aos 63 anos, em Assis, Úmbria, onde ele passou a segunda metade de sua vida. Mr. Walshe era bem conhecido entre os estudiosos como talvez a maior autoridade viva em matérias Franciscanas. De outro modo, ele não tinha fama alguma. O mundo, ocupado em seus eventos, não o conheceu.
Não se engane. A introdução séria e sóbria de The Life of John William Walshe é o retrato detalhado de um homem que nunca existiu. “Levou-me algum tempo para perceber que tudo isso” — escreveu um resenhista da já extinta revista americana The Dial — “é uma elaborada peça de mistificação e para lembrar que o nome de Walshe não figura em qualquer lista verdadeira de scholars Franciscanos, vivos ou mortos”.

O bibliotecário e escritor americano Edmund Lester Pearson (1880-1937) considera a obra “um dos mais inexplicáveis exemplos de hoax literário [...] [O livro] não contém um átomo de sátira, não era uma paródia e, até onde eu, pelo menos, pude descobrir por evidência interna ele é o que aparenta ser: uma sóbria e reverente biografia de um Inglês estabelecido na Itália, membro devoto da Igreja de Roma e estudante particularmente entusiasta e pio seguidor de São Francisco de Assis.”

E quanto ao autor? Carmichael era funcionário do serviço consular britânico na Itália e, um tanto obviamente, também publicou diversos livros de viagens europeus. Mas em relação a essa obra, ele nunca deu uma explicação. Carmichael apenas a considerava “a estória de uma vida escondida”. A minha hipótese é que Mr. Walshe era, em certo sentido, o próprio Carmichael: seria um caso pioneiro de heteronímia.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Em uma palavra [78]

papiroflexia (pa.pi.ro.fle.xia)
s.f. a arte de fazer figuras com papel dobrado; origami. papirofléctico, adj. relativo à papiroflexia. papiroflexor, adj. o praticante dessa arte. [de papiro = papel + -flexo = dobra + -ia]

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Estados Unidos: singular ou plural?

É uma velha dúvida que nos atormenta na hora de escrever sobre a Grande República do Norte: “Estados Unidos é um país” ou “Estados Unidos são um país”? Aparentemente, a dúvida também tem atormentado os estado-unidenses ao longo de sua História. 

Na redação dos primeiros documentos após a Independência, os Pais Fundadores tendiam a usar o plural. Em 1783, por exemplo, John Adams escreveu: “The United States are another object of debate” [“Os Estados Unidos são outro assunto de debate”]. Mais de meio século mais tarde, a 13ª. Emenda proclamava que a escravidão não existirá “no interior dos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito às suas jurisdições.” Ou, no original: “within the United States, or any place subject to their jurisdiction.”

Apesar da tradição histórica do plural, muitos argumentam que o resultado da Guerra Civil — iniciada, ironicamente, pela 13ª. Emenda — estabeleceu uma unificação em sentido moderno nos Estados Unidos. Isto é, na denominação da república norte-americana, a ênfase passou a ser mais a União (com sua singularidade) do que os Estados (com sua pluralidade). 

Como não há nada equivalente a uma Academia Americana de Letras, a questão nunca foi oficialmente resolvida (Até há uma American Academy of Arts and Letters. Entretanto, tal academia é muito mais um clube honorário do que uma autoridade normativa). Vários escritores consagrados e jornalistas já usavam o singular antes da guerra ou continuaram usando o plural após o conflito. O poeta e jornalista William Cullen Bryan (1794-1878), por exemplo, baniu o uso do singular no New York Evening Post em 1870. Ambrose Bierce (1842-1913?) ainda pressionava pelo uso do plural em 1909.

Lentamente, porém, a imprensa foi se fechando em torno do singular. Isso se deu tanto pela ausência de flexão de artigos na língua inglesa — especialmente do artigo definido, the — quanto por razões políticas. Em 1887, um escritor declarou ao Washington Post que “a guerra havia resolvido para sempre a questão gramatical. [...] A rendição de Mr. Davis e do Gen. Lee significou uma transição do plural para o singular.” Oito anos mais tarde, o New York Times observava que “A rebelião tornou as ideias de direito e de soberania dos Estados bastante desagradável às pessoas leais e resultou na correspondente proeminência e popularidade da ideia de nacionalidade.” O diplomata John W. Foster (1836-1917), em artigo numa edição do NYT de 1901, confirmou que “desde a guerra civil, a tendência tem se inclinado para esse uso”, isto é, o singular.

Em português, ambas as formas são aceitas, mas em diferentes contextos. Quando há artigo, usa-se o plural: “Os Estados Unidos são um país da América do Norte.” Sem artigo, usa-se o singular: “Estados Unidos é um país da América do Norte.”

sábado, 12 de novembro de 2011

Patentes patéticas (nº. 33)




Uma das coisas mais divertidas em festas de aniversário é a hora de apagar as velhinhas. Se a criança for pequena, ainda não vai entender muito bem para que tem que fazer aquilo. Se for distraída, pode ter suas velas assoparada por aquele primo troll. Você poderia se sentir aliviado se esse primo troll não aparecesse (ou não se manifestasse). Mesmo assim, ainda dá pra ser trollado mecanicamente — graças a Paul Bosek, que, no início dos anos 1960, inventou um “extintor de velas de bolo de aniversário”. Não é nada mais do que um

dispositivo dotado de uma base com uma válvula sobre a qual um balão pode ser montado. O balão pode ser inflado por uma bomba de ar. Na base, há um ponto que carrega uma agulha apontada e um escudo que a protege do balão. Quando o escudo é removido [através de um botão ou alavanca], a agulha fura o balão, liberando o ar em seu interior. O dispositivo contém um revestimento para a base, o balão e o sistema de punção. O revestimento tem um bocal que pode ser direcionado para as velas que serão apagadas. O revestimento pode ser feito de forma decorativa, simulando um animal, uma boneca, um soldado ou um canhão de brinquedo ou outra figura ou boneco.

Em resumo, Paul Bosek conseguiu patentear — em 29 de setembro de 1964, sob nº. 3.150.831 — aquele método mais ousado de trollagem: apagar as velas com o estouro de um balão. Não sabemos se ele teve esse insight após observar algum troll master no aniversário de um sobrinho ou se sua intenção foi se vingar (ainda que tecnologicamente) de algum primo chato após uma infância sempre frustrada nos aniversários. 

Do texto da patente, depreende-se que Mr. Bosek era possivelmente mais um daqueles pais superprotetores. Entre outras coisas, ele alega que seu extintor de velas é útil e desejável pois “evita os riscos de incêndio comumente encontrados quando crianças muito pequenas se aproximam demais das velas na tentativa de apagá-las”. No entanto, isso é muito mais facilmente resolvido com outra coisa que pode soprar por crianças pequenas: os pais. Ou os avós. Ou aquele tio bêbado. Ou aquele primo troll mesmo.

Mr. Bosek diz que seu invento ainda evita “a antissanitária condição que se encontra quando as crianças inexperientemente sopram sobre as velas e inadvertidamente escarram sobre o bolo ou metem-lhe as mãos.” Ok, ninguém gostaria de comer um bolo de aniversário recém-escarrado, mas manter um bolo-reserva para tais casos deve ser mais barato (e mais gostoso) que compar um soprador de velas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Alá é para lá [2]


Situado na Polinésia Francesa, próximo ao famoso atol Mururoa, o atol Tematangi (ou Tematangui) é a antípoda quase exata de Meca — o ponto exatamente oposto fica a uns 50km a nordeste do atol. Por isso mesmo, um lugar que é aparentemente paradisíaco deve ser um inferno para os seguidores do Islã.

Em Tematangi a qibla¹ torna-se tão sensível quanto uma bússola perto de um campo magnético. Naquele pequeno atol, e em algumas ilhas mais próximas, dois seguidores de Maomé dificilmente oram alinhados na mesma direção e — talvez de modo bastante perigoso do ponto de vista doutrinário e teológico — cada um pode escolher para que lado se voltar. Não surpreende que não haja nehuma mesquita no local, habitado por apenas 57 pessoas.
_________________

¹ qibla [direção em árabe]: a direção em que todo muçulmano se deve voltar quando faz cada uma de suas cinco orações diárias, isto é, com a face voltada para a Caaba, em Meca.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Porra, New York Times!!! [4]

Segundo — e último — lançamento do Large Aerodrome.

Em um editorial publicado em 10 de dezembro de 1903, um dia após um dos maiores fracassos da tentativa de conquista do ar — o segundo lançamento do Large Aerodrome A, que quase matou o piloto — o New York Times aconselhava o físico, astrônomo e inventor Samuel Langley (1834-1906) a desistir de suas experiências com máquinas voadoras:

Nós esperamos que o Professor Langley não deve colocar em perigo sua substancial grandeza como cientista continuando a perder seu tempo, e o dinheiro envolvido, em mais experimentos aeronáuticos. A vida é curta e ele é capaz de serviços incomparavelmente maiores para a humanidade do que os resultados que se pode esperar das tentativas de voo. [...] Pois para estudantes e investigadores do tipo de Langley há trabalhos mais úteis.

Esse excesso de pragmatismo, revelado claramente na última frase — que hoje em dia, por exemplo, pareceria perfeita em um jornal de Pequim —, choca-se frontalmente com o conceito de inovador que os americanos têm de si mesmos. 

Com o tempo, seria esse mesmo pragmatismo imediatista, aliado a uma educação científica em declínio e a uma grave acomodação econômica (além dos cortes de investimentos), que afogaria a verdadeira inventividade americana. Não surpreende que mesmo com o maior número de universitários formados do mundo, os EUA estejam patinando e que nenhum “Edison” ou mesmo uns “irmãos Wright” tenham surgido no último meio século.

Ironicamente, uma semana depois da publicação desse editorial, os irmãos Wright — em um episódio que será eternamente disputável por não ter sido público nem ter tido testemunhas — levantaram (ou catapultaram) voo pela primeira vez em Kitty Hawk, na Carolina do Norte. O NYT não publicou qualquer retratação pelo imenso equívoco tecnológico que acabara de cometer.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Herança Divina

Em um testamento registrado em 1864, Peter e Hannah Armstrong deixaram como herança um pedaço de terra na Pensilvânia. Os herdeiros seriam ninguém menos que o Deus e seu filho:
Contendo quatro milhas quadradas [cerca de 10 km² ou pouco mais de 1.000 hectares] de terra, do qual nós reservamos cerca de seiscentos acres [uns 242 hectares] e do qual nós separamos o dito trato de terra antes ou até a redenção do mundo inteiro, como propriedade particular de Jesus, o Messias, incluindo-se todos os direitos singulares, liberdades, privilégios e benfeitorias quaisquer até agora pertencentes a nós. E nós cedemo-la, legamo-la e transmitimo-la ao dito Criador e Deus dos céus e da terra e a seu herdeiro, Jesus, o Messias, para seu uso e benefício próprio para sempre. 
Talvez mais interessado nos tesouros do Vaticano, o Criador não deve ter se interessado muito por esse presente. O Todo-Poderoso jamais compareceu para tomar posse da propriedade e também deixou de pagar os respectivos impostos e taxas. Não tardou para que a divina propriedade fosse desapropriada pelo Estado e leiloada, voltando às mãos de um reles humano.

Vinte anos mais tarde, Charles Hastings também legou um pedaço de terra — dessa vez no Massachussets — “para o Senhor Jesus, o Regente Supremo do Universo”. Talvez sabendo do fracasso do casal Armstrong, Hastings entregou a propriedade a Cristo apenas em usufruto, reservando a seus herdeiros apenas o direito de agirem como agentes (ou meros caseiros) para “ocupar e ampliar, fazer reparos, pagar tributos e apólices de seguro, etc.” No fim das contas, nem essa precaução funcionou. Em 1897, os herdeiros de Mr. Hastings cansaram-se de ter que sustentar a divina propriedade e contestaram judicialmente o testamento, que acabou sendo anulado.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Em uma palavra [77]

ipsedixitismo (ip.se.di.xi.tis.mo [ksi])
s.m. Retór. argumento dogmático ou arbitrário, normalmente baseado em algum argumento de autoridade. Ip.se.di.xi.tis.ta, adj. aquele que recorre ao ipsedixitismo; pessoa muito dogmática. [do latim ipse dixit, ele-mesmo disse]
Segundo Cícero (De Rerum Natura, I, 5) , o uso da frase remonta aos pitagóricos, para os quais a autoridade de Pitágoras era “ainda maior que a razão”. Durante a Idade Média, o uso do ipse dixit também foi comum, mas a referência passou a ser Aristóteles.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

De trás pra frente, só que ao contrário

Quando Marshall Bean saiu do Exército dos Estados Unidos em 1965, após servir por oito anos, ele decidiu começar uma nova vida. Não por se envergonhar de sua experiência militar, mas apenas para enganar os credores mesmo. Por isso, ele inverteu seu nome: em sua carteira de motorista e seu cartão de seguridade social o nome eram Naeb Llahsram.

Infelizmente, o plano de Marshall (ou Llashram) funcionou bem demais, pois enganou até o Exército, que o convocou novamente em 1966. Ele levou mais de um ano para provar que já havia cumprido o serviço militar.

“Tudo isso foi culpa dele”, disse um porta-voz do Exército à Associated Press. “Não teria acontecido se ele não tivesse grafado seu nome de trás pra frente.” Isso prova a eficácia da — com o perdão da contradição — “inteligência militar”.

sábado, 5 de novembro de 2011

Patentes patéticas (nº. 32)


Fast food — literalmente.


Em 1921, Robert Martin, de Ocala, na Flórida, conseguiu a patente para um opcional que traria muita praticidade ao já popular automóvel: um forno. Ou melhor:

Um forno de cozimento para automóveis, aquecido a gás de exaustão, formado por uma câmara fechada para encerrar utensílios de cozinha. A dita câmara tem uma tampa móvel para cobrir-la e para dar acesso ao seu interior, que contém uma serpentina de aquecimento a gás de exaustão localizada no fundo da tal câmara, uma placa dissipadora de calor colocada sobre a tal serpentina e que serve de suporte aos utensílios de cozinha. 

O sistema criado por Mr. Martin direcionava os gases do sistema de exaustão para uma câmara de aquecimento situada no interior da cabine. Dentro dessa câmara seria possível aquecer sua comida mesmo com o veículo em movimento — aliás, quanto mais movimento, melhor. A tampa do forno era equipada com molas de compressão, de modo a evitar que sua refeição ficasse rolando antes de você chegar à casa da vovozinha.

Não havia uma palavra sobre o risco de explosão ou queimaduras (afinal o forno ficava sob o banco dianteiro) no texto da patente nº. 1.392.956. Mesmo assim, Mr. Martin garantia que o tubo de aquecimento era selado e, portanto, seguro. Segundo o inventor, não havia riscos de contaminação da comida pelos “venenosos e prejudiciais componentes dos gases de exaustão” ou de “escurecimento ou enegrecimento dos utensílios de cozimento pela fuligem”. Bom, pelo menos a dona-de-casa (recém-)motorizada não precisaria se preocupar com suas panelas.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Menor Encaixotado


É um triste fato que bebês mortos apareçam frequentemente entre os conteúdos dos Departamentos de Achados e Perdidos das ferrovias. Quando isso acontece, eles são geralmente entregues à polícia e um inquérito formal é aberto. Há pouco tempo, conta-me Mr. Groom, uma criança viva foi encontrada em uma pequena caixa na plataforma de embarque, perto do trem escocês das oito horas. O pequenino estava comodamente colocado sobre palha e estava acompanhado de uma mamadeira. Uns poucos buracos haviam sido feitos na caixa — a qual, aliás, estava revestida com papel de parede e endereçada para uma residência em Kilburn. As autoridades daquela casa, porém, recusaram-se a receber a criança, já que nenhum dinheiro havia sido enviado com ela. Assim, o pobre e perdido infante foi entregue à polícia que, por sua vez, repassou-a a um hospício, onde foi batizado “Willie Euston” e viveu por quatro anos. Consegui obter uma fotografia do achado dessa criança e o incidente é mostrado na ilustração que segue. O oficial à direita deu seu próprio nome de batismo ao pobre menor abandonado. — William G. FitzGerald, “The Lost Property Office” [“O Departamento de Achados e Perdidos”] Strand, dezembro de 1895

É difícil apontar quem é mais pobre — materialmente ou de espírito — nessa história: a mãe (ou pai) que abandonou o menino; a família que se recusou a recebê-lo sem dinheiro ou o policial que, mesmo tendo batizado o pequeno, relegou-o aos cuidados de um hospício. Quanto ao destino de “Willie Euston”, não está muito claro se ele foi finalmente adotado ou morreu ainda na infância. A segunda hipótese me parece mais provável.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O paradoxo do acionista honesto

Um acionista em meio a uma crise de consciência?

Suponha que você tenha  ações de uma companhia e que você descobriu que ela age de maneira imoral (digamos que ela explore mão-de-obra em condições de escravidão). Você decide, então, vender seus títulos. Mas será que isso é moralmente correto? 

Se possuir as ações de tal companhia lhe parece moralmente condenável por torná-lo co-responsável pela conduta da empresa, vendê-las para outra pessoa também pode ser um ato imoral. O comprador pode não perceber que a ação está moralmente podre, mas você tem consciência disso (e ainda tem lucro com aquelas ações “sujas”).

Mesmo renunciar à propriedade das suas ações, devolvendo-as à empresa, pode ser imoral. Isso levaria a uma redistribuição do valor da empresa entre os demais acionistas, o que aumenta a culpabilidade moral deles. Nesse caso, é possível ter uma saída honesta do mercado de ações?

(Steve M. Cahn, “A Puzzle Concerning Divestiture” [“Um Problema em Relação ao Desinvestimento”], Analysis, 1987)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Soneto ao Nada

Poema de Richard Porson, publicado na edição de 4 de março de 1814 do Morning Chronicle:
Misterioso Nada! Como hei-de mostrar
Vosso infome, infundado, ilocável vazio?
Nem forma, nem cor, nem som, nem tamanho traz.
Nem palavras ou dedos podem expressar vosso vozerio.

Mas embora não possamos vos comparar a algures,
Um milhar de coisas a vós podem se assemelhar.
E embora vós não estais com ninguém em nenhures,
Ainda assim, metade da Humanidade está a vos adorar.

Quantos volumes vossa história contém!
Quantas cabeças perseguem vossos poderosos ímpetos!
Quantas mãos laboriosas apenas uma porção de vós retém!
Quantos corpos se ocupam apenas com vossos projetos!

Os grandes, os orgulhosos, os vertiginosos, nada há-de dominar
E tudo — como meu soneto — em nada vai terminar.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Em uma palavra [76]

polhastro (po.lhas.tro)
s.m. 1. Frango grande. 2. Jovem de grande estatura; rapagão; mocetão; cavalo. 3. Espertalhão. [do castelhano pollastro, aumentativo de pollo = polho (port. arcaico), frango; rapaz]
Se juntarmos todos os sentidos de polhastro teremos um sinônimo muito bom para um cara galinha (e talvez até melhor).

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