O Brasil foi descoberto e ocupado – invadido – pela maior potência econômica e marítima do século XVI: Portugal. O antigo Condado Portucalense tinha um histórico de pioneirismo e liderança no continente europeu. Como a Espanha, foi dominado por séculos pelos mouros muçulmanos vindos do norte da África. Mas a nação lusitana foi a primeira a se libertar do domínio árabe, já no século XII.
Em seguida, Portugal foi o primeiro país europeu a se formar e a ter unidade administrativa, durante o século XIII. Nos séculos seguintes, o Império Português aproveitou-se de sua posição geográfica e floresceu com o empreendedorismo das Grandes Navegações. Rapidamente, Lisboa tornou-se uma capital cosmopolita, habitada por banqueiros judeus, mercadores descendentes de árabes, administradores latinos e católicos, artistas italianos, saltimbancos franceses, aventureiros espanhóis e – como o mundo não era perfeito – alguns escravos negros. A língua portuguesa, embora muito diferente da atual, era praticamente a segunda língua franca da Europa depois do latim.
Infelizmente, porém, os católicos latinos se deslumbraram com as riquezas acumuladas e cometeram muitos erros. O primeiro grande erro, talvez, foi ignorar Cristóvão Colombo e sua ambiciosa e inovadora proposta de navegar ao Oriente pelo Ocidente (1492). O fôlego empreendedorista português começava a ser sufocado pelo acúmulo de tradições e fantasmagóricas superstições e crendices. Logo em seguida, em 1497, estimulados por Roma e sob as bênçãos papais, os líderes católicos perseguiram e expulsaram os judeus de seu país. Portugal foi o centro anti-semita da Europa do século XVI. Os nobres católicos asseguraram seu poder, mas a riqueza duraria pouco diante do deslumbramento, da má administração e de uma mentalidade cada vez mais retrógada e conservadora.
Mais ou menos por essa época, o Brasil foi “achado”, mas não se deu muita importância àquelas terras de aparência paradisíaca (seria realidade?) situadas no Novo Mundo recém-descoberto por Colombo (a serviço dos espanhóis, que só agora haviam acabado de se libertar dos mouros). Apenas três décadas mais tarde, a nova terra passou a ser ocupada, mas apenas por que o poderoso Império Português corria o risco de perdê-la para retardatários como os franceses e os ingleses, que eram tão amadores que só contavam com piratas nessa época.
O INÍCIO DA ETERNA PROMESSA DE “PAÍS DO FUTURO”
Meio século depois, o então Rei de Portugal, o jovem D. Sebastião I, o menino-rei, morreu em circunstâncias misteriosas durante uma frustrada tentativa de conquistar o que hoje é o Marrocos.
Em vez de explorar a exuberante — porém distante — colônia americana em busca de recursos mais valiosos que o pau-brasil (ou as especiarias indianas), os lusos, pregiçosamente, preferiram reinventar as Cruzadas medievais no norte da África, logo ao sul da “Terrinha”, num território desértico e povoado pela mesma civilização que tomara a Península Ibérica, o sul da Itália e fechara o Mediterrâneo ao comércio europeu.
Os portugueses acharam que, só porque foram os primeiros a expulsar os muçulmanos da Europa, poderiam acabar com o imenso Império Islâmico e conquistar o Mediterrâneo. Desculpem-me os lusos (ou os seus descendentes), mas a fama de burrice portuguesa não é à-toa.
Rei morto, rei posto. Bem, se houvesse um príncipe… Por que D. Sebastião não deixou herdeiros pois não tinha uma rainha. Os candidatos ao trono português eram, segundo a linha de sucessão: 1) D. Henrique (cardeal e filho de D. Manuel I); 2) D. Rainúncio Farnese, Duque de Parma (também filho de D. Manuel I); 3) Catarina, Duquesa de Bragança (filha mais nova de D. Duarte); 4)Filipe II de Espanha ( filho de D. Isabel e neto de D. Manuel I); 5) Emanuel Filiberto, Duque de Sabóia (filho de D. Beatriz e neto de D. Manuel I); 6) João I, Duque de Bragança (marido de D. Catarina) e 7) o pobre D. Antônio (considerado ilegítimo, mas se não o fosse seria o primeiro da linha de sucessão).
Alternativas não faltavam para resolver a crise sucessória. O que faltou foi faro político, capacidade de inovação e até honestidade. Para começar, mulheres estavam legalmente excluídas do processo: nação católica que era, Portugal não poderia ter uma rainha. Mais absurda era a restrição dos descendentes por via materna, que, mesmo se fossem mais próximos, não tinham vantagem. Por razões óbvias, os nobres que viviam no estrangeiro também não poderiam ser aceitos, mas na prática foi isso o que aconteceu.
D. Henrique, aos 80 anos de idade, foi coroado rei, mas pela velhice e posição religiosa não poderia se casar muito menos ter filhos. Ele poderia ter saído da Igreja Católica, mas o Papa Gregório XIII não deixou. Para piorar, o velho clérigo aceitou a ordem papal e nem tentou se casar. No ano seguinte, cardeal-rei já estava morto.
Com todas as restrições do processo sucessório, D. Filipe II, rei da Espanha, e o Duque de Sabóia eram os candidatos mais prováveis e poderosos. Com a ameaça de dominação espanhola, D. Antônio, mesmo ilegítimo, obteve grande apoio popular e chegou a reinar por 20 dias antes de ser deposto com apoio militar e financiamento filipino.
Mas a nobreza e o clero decidiram os rumos do país e praticamente venderam-no ao monarca espanhol em troca de garantias de manutenção de privilégios econõmicos e sociais – tentaram até convencê-lo a transferir a capital do Império Espanhol para Lisboa, mas isso já era absurdo. Como se vê, a elite portuguesa estava mais interessada em si do que no futuro e agiu de forma corrupta, dando um exemplo à nação lusitana. O pior é que o exemplo foi seguido, nos séculos seguintes, tanto em Portugal quanto no Brasil.
Religioso como era, Portugal viu nascer um fenômeno messiânico e milenarista: o Sebastianismo. Era popular a crença de que D. Sebastião não morrera e cedo ou tarde voltaria, libertaria Portugal dos espanhóis e construiria o Quinto Império. Os quatro primeiros teriam sido os velhos e já inexistentes Impérios Assírio, Persa, Grego e Romano. Segundo a crença, Portugal superaria a Roma Antiga.
O Sebastianismo se espalhou por todo o Império e alcançou os sertões do Brasil, onde subsistiu por um bom tempo. Eis aí as raízes da nossa velha crença de que, um dia, seremos o “País do Futuro”. É uma nefasta herança cultural legada pelos portugueses.
A QUINTA POTÊNCIA.
Em meio às revoluções científicas, religiosas e ao Renascimento cultural, Lisboa busca manter tudo com um clima nostálgico e conservador. Portugal declina cada vez mais apesar das imensas riquezas provenientes da América Portuguesa.
Séculos se passam. O Brasil se liberta de Portugal, mas não deixa de ser pobre, atrasado e conservador. Esse país pobre, atrasado e conservador continua a sonhar com o Quinto Império. Agora, não seria o Império Português, seria o Império Brasileiro. Afinal, nós temos muitas riquezas, apesar de toda a exploração colonial. Nós somos o celeiro do mundo. E nós mantivemos o cosmopolitismo que Portugal abandonou – somos índios, somos negros, somos europeus e ainda seríamos até asiáticos e, de novo, árabes e judeus.
Sim, mas também mantivemos um príncipe que Portugal abandonou e que nos abandonou por Portugal. Mantivemos a escravidão que Portugal deixou para trás. E junto com a escravidão, ficamos com os preconceitos contra os negros e contra o trabalho. Conservadores que somos, jamais nos rebelamos. A Independência foi feita num grito “mágico”, a escravidão foi abolida com uma canetada e a República veio de cima para baixo, sem que ninguém notasse a diferença. Enquanto contratávamos europeus empobrecidos e esfomeados, que nos pareciam melhores, abandonávamos ex-escravos ainda mais empobrecidos e esfomeados.
Mas não deixamos jamais de sonhar com a “esperança de um novo porvir” e a ter “visões de triunfos [que] embale/Quem por ele lutando surgir”. Reinventamos o Sebastianismo em Canudos. Avançamos sobre o Acre e finalmente tomamos posse das riquezas amazônicas. O Eldorado foi encontrado no meio da floresta e se chama látex. Mas o Eldorado Branco é destruído pela concorrência externa e pelas inovações científicas e tecnológicas.
Mais recentemente, usamos as inovações científicas e tecnológicas para nos virar num momento de crise energética: criamos o carro a álcool. Fomos pioneiros, fomos empreendedores, fomos visionários. Encontramos mais um Eldorado, dessa vez Verde.
Agora, porém, às vésperas do fim de um reinado “popular” e de uma possível “crise sucessória”, encontra-se um novo Eldorado, dessa vez no litoral, abaixo do mar e nas profundezas depois da camada de sal. O Eldorado é Negro e chama-se pré-sal. E, com ele, seremos a Quinta Potência em uma década. É o Sebastianismo 2.0.
Não dá pra acreditar nisso, ainda mais sabendo que o petróleo está acabando e deixará de ser consumido ao longo deste século. Mesmo que peguemos uma carona na inevitável alta dos preços de um produto insubstituível em fim de estoque, isso não é garantia nenhuma do tão falado desenvolvimento sustentado.
Até agora era o etanol que nos levaria ao topo do mundo e faria de nós uma Arábia Saudita verde. Uma previsão exagerada talvez, mas mais plausível dado o cenário energético mundial. Mas, como somos conservadores, nós queremos ser uma Arábia Saudita petrolífera mesmo. Parece mais fácil. Talvez sejamos tão bem-sucedidos quanto uma velha cruzada no norte da África.