Contradições
Renato Pincelli
“Sanguessugas”, “Furacão”, “Navalha”, “Xeque-Mate”. Nunca na História desse país houve tantos escândalos à escolha da população. Quanta variedade! São tantos os escândalos — batizados de forma quase publicitária pela Polícia Federal — que é impossível não se perder em meio às ondas de corrupção que varrem o país semanalmente.
Talvez estejamos perdidos mesmo. Já nos acostumamos tanto com essas “operações” que perdemos a vergonha na cara. Para deleite de uma população que adora se alienar diante de qualquer reality show, a Polícia Federal prende dezenas de acusados, após uma investigação que sempre acaba “vazando” para a imprensa. Mas tudo não passa de encenação, de uma peça de teatro mesmo.
Depois que a peça sai de cartaz, quando surge mais um escândalo, o Judiciário aproveita-se da distração do público e manda soltar quase todo mundo – os mais poderosos, claro, nunca ficam presos. Para nossa Justiça, as provas apresentadas na imprensa — e muitas vezes pela imprensa — não parecem ter importância alguma. Sempre se diz que não há provas contra o suspeito ou que ele pode ser solto, pois não vai atrapalhar a investigação. Parece que só há alguma chance de punição quando há o tal “segredo de Justiça”. A Polícia Federal, porém, não parece disposta a manter esse sigilo todo.
Aí dizem que a culpa é da imprensa ou “dazelite” ou que é tudo – já virou até bordão – “intriga da oposição”. Tanto o Judiciário quanto a Polícia Federal é que agem de forma errada. A Polícia Federal é quem deveria agir de modo discreto, conduzindo investigações de verdade, secretas mesmo, e não mega-operações amplamente divulgadas. Afinal, fica mais fácil esconder ou destruir provas ou mesmo fugir do país quando corruptos e/ou corruptores sabem que seu “ramo” está sendo ou será investigado.
A Justiça, por sua vez, também deveria atuar de forma diferente. Primeiro, os julgamentos deveriam ser realmente públicos. Por que será que o Brasil nunca acompanhou um julgamento ao vivo pela televisão? Nossos juízes têm medo de aparecer? Se a Justiça não é transparente, como podemos acreditar nesses homens de toga?
Além disso, sofremos de um grave problema de ordem legal: nossas leis são confusas e obscuras, prolíficas e cheias de arcaísmos. Não temos leis duras, temos leis difíceis mesmo. Quando poucos são capazes de interpretar as leis, fica fácil achar uma brecha e dar um jeitinho. Não é assim que se acaba com a impunidade que reina no país. Só que as leis são feitas pelos deputados e senadores e estes, hoje, estão mais preocupados com as defesas dos próprios interesses e não com o avanço legal do país, muito menos com a punição de seus próprios pares.
Diante de tudo isso, uma população calada... Diz-se que nunca vivemos um regime tão plenamente democrático. Será mesmo? Onde estão nossos manifestantes? Onde estão aqueles que saíram às ruas pelas eleições diretas? Onde estão os cara-pintadas? Onde foi parar a consciência do povo brasileiro? Ou será que estamos contentes com o que vemos nos jornais?
Se quisermos sair desse mar de contradições, se quisermos avançar e nos desenvolver plenamente, alguém terá que começar a agir. Qualquer um pode começar: os juízes, ao agir de forma mais transparente; a Polícia Federal ao agir de maneira mais discreta; a imprensa atuando com equilíbrio e lucidez, sem se perder em meio a tantos escândalos; os legisladores mostrando serviço, simplesmente legislando pelo bem de toda a sociedade e não apenas da própria classe ou família; o povo ao deixar de reclamar dos demais e também fazer a sua parte, tomando uma atitude, protestando, pressionando. Acima de tudo, seria imensamente melhor se todos resolvessem agir ao mesmo tempo. O Brasil ficaria agradecido e todos só teriam a ganhar.