Harvey W. Wiley: sem saco para um cafezinho. |
Com o apoio de um seleto “esquadrão do veneno” (doze voluntários que ele usava para testar a segurança alimentar), a luta de Wiley por comidas e bebidas mais puras se tornaria legendária. Embora a Divisão de Química não tivesse, inicialmente, qualquer poder regulatório, Wiley e seus colaboradores publicaram suas descobertas em uma série de dez artigos durante o ano de 1902. Depois, ele procurou vários médicos e grupos de interesse especiais para fazer lobby por uma reforma no setor.
A cruzada de Wiley começou na mesma época do lançamento da obra mais famosa de Upton Sinclair (1878-1968), The Jungle (que denunciava as verdadeiras condições dos operários dos frigoríficos de Chicago). Maiores exigências na segurança e no preparo da comida industrializada chegaram à agenda política. A pressão popular liderada por Harvey Wiley levou à aprovação do Pure Foods and Drugs Act [Lei dos Alimentos e Medicamentos Puros] em 1906. No ano seguinte, o químico-chefe norte-americano publicou Foods and Their Adulteration [Alimentos e Suas Adulterações], que seria parte da bibliografia básica da área.
Com a aprovação da lei, cresceram os poderes da Division of Chemistry (que mais tarde seria substituída pela Food and Drug Administration, a FDA). Evidentemente, a cruzada de Wiley não agradava às indústrias alimentícias. Ele continuava a lançar ataques cada vez mais puritânicos contra alimentos e bebidas que se tornavam cada vez mais populares. E, com seu poder legalmente reforçado, Harvey Wiley voltou-se contra os refrescos cafeinados.
Antecedentes Históricos
Embora a cafeína fosse usada desde os primórdios da civilização, o ingrediente ativo do café e do chá só seria isolado e reconhecido quimicamente em 1819. Friedrich Ferdinand Runge (1795-1867) extraiu a cafeína de grãos de café (daí o nome). No fim do século XIX, os químicos já conseguiam sintetizar a cafeína, que se tornou um ingrediente comum em muitos alimentos e bebidas.
Apesar da ampla popularidade da cafeína (e, segundo a crença popular, sua capacidade de curar a ressaca), as autoridades médicas sempre se mostraram preocupadas com os efeitos daquele estimulante no organismo humano. Desde a chegada do café e do chá à Europa, no século XVI, inúmeros tratados e panfletos contra seus efeitos circularam pelo Velho Continente. Em 1600, o papa Clemente VIII chegou a proibir os católicos de tomar café — mas liberou a “bebida do demônio” e dos “mouros” depois de prová-la. Os ingleses consideravam-no como a bebida dos sediciosos que derrubaram Charles I. E até mesmo os holandeses, sempre famosos por sua liberalidade, tiveram um movimento anti-cafeína. Apesar disso, os caffés se espalharam pela Europa e, dali, para o resto do mundo.
Embora a cafeína fosse usada desde os primórdios da civilização, o ingrediente ativo do café e do chá só seria isolado e reconhecido quimicamente em 1819. Friedrich Ferdinand Runge (1795-1867) extraiu a cafeína de grãos de café (daí o nome). No fim do século XIX, os químicos já conseguiam sintetizar a cafeína, que se tornou um ingrediente comum em muitos alimentos e bebidas.
O papa Clemente VIII: ele deveria ter banido o café das mesas cristãs. Mas não resistiu. |
Em 1833, John Cole publicou um artigo no jornal médico The Lancet no qual descrevia os efeitos do consumo excessivo de chá e café. Cole apresentou nove estudos de caso para descrever os vários sintomas da intoxicação por café (ou chá). Ele perguntava se “o aumento nas doenças cardíacas dos últimos anos não teria sido influenciado consideravelmente pelo aumento no consumo de café e chá?”. Esse artigo de Cole criaria bastante preconceito quando começaram a surgir outras bebidas cafeinadas.
O que nos leva à Coca-Cola...
O marketing agressivo dos primeiros anos da Coca-Cola incluía a distribuição de cupons que valiam “um copo grátis” |
Começando sua carreira como um simples tônico vendido em farmácias do fim do século XIX, a Coca-Cola herdou seu nome de seus dois ingredientes principais: as folhas de coca e as nozes de kola. Originalmente receitada como tratamento para diversos males (entre os quais vício em morfina e impotência), a Coca tornou-se um refresco popular na virada do século.
Com sua crescente popularidade, mudanças na fórmula foram consideradas necessárias. Por volta de 1904, o extrato de folhas de coca puras (o que dava estimados nove miligramas de cocaína por garrafa) foi trocado pelo extrato “empobrecido” de folhas de coca — a cocaína foi removida. Qualquer efeito estimulante que sobrou devia-se apenas à cafeína, que vinha da noz de kola e era reforçada por uma dose de 46mg de cafeína sintética a cada 12 onças fluidas (pouco mais de 350 ml, o equivalente a uma latinha moderna). Infelizmente para a Coca-Cola, foi exatamente com isso que Harvey Washington Wiley encasquetou.
Nozes de kola: a fonte de (e a solução para) todos os problemas do refrigerante mais famoso do mundo. |
Mesmo com a grande popularidade da Coca-Cola — até mesmo entre os proibicionistas, que a consideravam um exemplo de bebida não-alcoólica —, Wiley estava preocupado com a cafeína presente no refrigerante e decidiu fazer algo a respeito com seus poderes recém-adquiridos. Ele alegava que havia grande diferenças entre chá e café e Coca-Cola e seus similares (que também começavam a aparecer). E embora os adultos fossem livres para tomar quanta cafeína desejassem, Wiley queria proteger as crianças dos efeitos negativos da cafeína. Como desde o princípio as crianças sempre foram as maiores consumidoras de Coca-Cola, o suposto risco era enorme — mesmo por que a publicidade da Coca fazia poucos alertas sobre a cafeína.
Asa Candler: de dono de farmácia a magnata ( não sem alguns contratempos) |
De um lado, Harvey W. Wiley contava com apoio total do governo dos Estados Unidos. Do outro lado, a Coca-Cola Company, que já era uma das maiores empresas do país. Seria uma batalha e tanto, de proporções épicas.
Gostei do post. Beijos.
ResponderExcluirmerda
ResponderExcluir